Alguns filmes refrescam os ares do nosso ser, e “Um Completo Desconhecido”, do diretor nova-iorquino James Mangold, com seu excelente elenco, é um desses. Adaptada da literatura do guitarrista e jornalista cultural Elijah Wald, essa cinebiografia mostra um recorte da vida e obra do cantor e compositor estadunidense Bob Dylan entre os anos de 1961 e 1965. 

 O filme trata do processo de construção da maturidade de Dylan, desde a chegada a Nova York, sua ambientação na cena musical da cidade, cantando em clubes e cafés e aproximando o folk do rock, até a performance disruptiva, quando abalou um renomado festival folclórico ao trocar o violão pela guitarra elétrica em uma apresentação marcada por vaias e aplausos. 

Disputado por defensores e empresários da canção popular estadunidense, Bob Dylan só queria ter um lugar no mundo com a sua música. Por respeitar essa vontade com firmeza, era considerado um desconhecido; alguém instável… do contra. E não era fácil mesmo compreender um artista que afirmava preferir ser acompanhado por dez fãs do que por mil tietes. 

O jovem Robert Allen Zimmerman, nome de batismo de Bob Dylan, reverenciava os artistas consagrados da música folk. Tanto que, ao tomar conhecimento pelos jornais de que Woody Guthrie (1912 – 1967) estava hospitalizado, foi visitá-lo e tomou a liberdade de tocar para ele. Guthrie era uma referência da música country, conhecido também por ter fixado a mensagem “Esta máquina mata fascistas” no corpo do seu violão. 

No hospital, ele conhece Pete Seeger (1919 – 2014), outro renomado músico folk, que passa a apoiá-lo, tanto por reconhecer a sua qualidade poética e musical quanto pelo sonho de tê-lo como um dos revitalizadores da canção folclórica. Seeger estava certo com relação àquele talento emergente, mas não percebeu que a música de Bob Dylan era um eixo condutor de sua vida, e não apenas uma forma de arte. 

A atriz Monica Barbaro (Joan Baez) e o ator Timothée Chalamet (Bob Dylan) em cena do filme “Um Completo Desconhecido” (2025).

O filme traduz Bob Dylan como uma pessoa tímida, em constante esforço para dar vazão ao que era. Em um determinado trecho ele se queixa disso: “Querem que eu seja outra pessoa”. Mesmo enfrentando desgastes relacionais, ele não deixou que seu projeto estético fosse moldado pela pressão do sucesso estandardizado. Tinha o ímpeto dos que nascem com “defeito de fabricação”, na expressão utilizada por Tom Zé para distinguir as pessoas que não se deixam tragar pelas pressões padronizadoras. 

Dylan nasceu em 1941 na cidade norte-americana de Duluth, um lugar com fartas jazidas de ferro, localizado a dois mil quilômetros de Nova York. O conceito de inspiração social e humanista de sua obra brotou de suas relações pessoais, profissionais e amorosas, em um contexto de luta por direitos civis e polarização entre os Estados Unidos e a então União Soviética na chamada Guerra Fria.  

A consistência política do trabalho de Dylan deve-se em muito a Suze Rotolo (1943 – 2011), namorada de ascendência italiana, ativista pela igualdade racial, que aparece com ele na foto de capa do álbum “The Freewheelin” (1963), e a Joan Baez (84), cantora de ascendência mexicana, engajada na luta pelos direitos civis e culturais, que já era uma celebridade quando namorou, dividiu o palco e gravou Dylan. 

Parafraseando o próprio Dylan em um de seus clássicos, “Blowing in the Wind” (1962), em que ele faz indagações sobre questões existenciais, eu diria que as respostas sobre esse artista genial seguem o sopro do vento. E o vento passa fresco na tela de “Um Completo Desconhecido”. Vale a pena sentir. 

Fonte:
Jornal O POVO