Na luminosa tarde de sete de setembro passado, uma tarde cheia de vento a vadiar, muitas crianças pousaram com suas famílias no ninho do teatro Dorian Sampaio, em Maracanaú, para ver um espetáculo feito com a arte de bater asas e com vozes de quem gosta de trinar. No palco, uma infância solta, que não sabe o que é gaiola, atrai meninas e meninos para a experiência de ser criança em situação de arte.
O nome da brincadeira encenada já dizia tudo: “Passarinhos”; e a exploração estética, banhada em fontes tradicionais do brincar, farfalhou a partir da interação da trupe Carroça de Mamulengos, Cia. Lumiato e Acervo Maracá. Tudo em movimento, e movimentando olhares, corpos, pensamentos e imaginação de uma plateia brincante que havia esperado e se preparado para aquelas brincadeiras de voar e de cantar.
O espetáculo integra o programa “Diversão em Cena”, da fundação do grupo ArcelorMittal, empresa do setor de aço, com sede em Luxemburgo, que tem fábrica no distrito industrial cearense. Esse tipo de atividade voltada para a democratização do acesso às artes é fundamental para a revitalização da cultura da infância em um mundo no qual o padrão de percepção das crianças tem sido impiedosamente modelado pelo consumismo.
Quando têm oportunidade de vivenciar apresentações de qualidade, como “Passarinhos”, meninas e meninos assumem suas penas e bicos porque, pensando bem, todas as crianças são artistas, enquanto criadoras e movedoras de sentidos no jogo da vida e do viver. O palco fica ampliado em seus gestos, danças, palmas e bocas abertas saboreando música e intensificando o senso de bando com personagens, entre si e com adultos.
A Carroça de Mamulengos é um grupo familiar brincante, originário do cerrado, que fez o seu ninho em Juazeiro do Padre Cícero, onde a caatinga tangencia a Chapada do Araripe. Carlos Gomide, o pai do grupo, é goiano; Shirley França, a mãe, brasiliense; e os oito filhos e filhas nasceram nas andanças pelo país: Maria é potiguar; Antônio e Francisco, caririenses; João, Isabel e Luiza, brasilienses; Matheus e Pedro, fortalezenses. E tem duas netas cariocas, a Ana e a Iara.
A cada filha, filho, neto ou neta que nasce, um personagem desencanta para atuar nos espetáculos da trupe, que inclui noras, genros e convidados. Em “Passarinhos”, o elenco conta com a percuteria de André Magalhães, a sanfona de Grabriel Levy e o baixo de Renata Amaral, além da atuação de Flora, filha de Renata. Soledad Garcia e Thiago Bresani cuidam das projeções de formas aladas que crescem e diminuem de tamanho pelas paredes do teatro.
A diversão voa, dança e assobia mais alto quando a boca-de-cena é povoada por seres fantásticos. Todos cantam para receber o passarinho gigante e sem asas do reisado: “Chegou, chegou / Já chegou meu Jaraguá”; ao som de um pandeirão, dança o boi-bumbá, que “veio de muito longe”, no tempo em que uma criança faz elevações com um boizinho de mão e a menorzinha de todas troteia na burrinha que “andou o mundo inteiro”, mas é do Ceará.
Ao longo da apresentação, Carlos Gomide inventa situações engenhosas e cômicas próprias do teatro de mamulengos, como o xixi feito no palco pelo filho do boneco Casemiro Coco; cena que faz a meninada da plateia rir aos borbotões. Essas pessoazinhas encantadoras estão no espírito transgressor infantil e andam juntas em oralidade e movimento com tantos outros significantes da cultura popular. Por isso também cantam e voam.