No município de Pindoretama, a 60 quilômetros de Fortaleza, pelo sentido leste da cidade, existe um lugar cheio de encantamentos e maravilhas. Seres e brinquedos fantásticos, que as crianças adoram, vivem e se reproduzem ali, dentro de uma pequena mata onde há uma ‘redemoinhosa’ trilha de Saci Pererê, e onde fica a oficina, a morada e o museu do artista brincante Antonio Jáder Pereira dos Santos, o Dim Brinquedim.
Falar desse lugar é sempre motivo de alegria. Quem já esteve lá, sobretudo meninas e meninos, sabe o quanto de histórias brotam naquele ambiente de ludicidade e arte. Atenta à importância desse mundo único, a editora Armazém da Cultura acaba de imprimir um belo catálogo com imagens das obras de artes plásticas desse assentamento povoado por bonecos teimosos e outras memórias de infância.
Folheei essa publicação como quem sobe, página por página, os batentes da escada de acesso ao túnel que cruza o interior dos corpos das grandes esculturas de animais tão bem modeladas pelo Dim. Fiz a passagem por dentro de uma obra que, segundo o compositor mineiro Paulinho Pedra Azul, transporta a vida das crianças, dos velhos, dos que já foram e dos que ainda vão chegar. Ao final, com os braços para cima, desci pelos escorregadores de suas línguas coloridas.
Tudo passa ou pode passar ali por dentro daquela barriga prenhe de imaginação. A arte do Dim está nas crianças que plantam bananeira, que sobem em pau de sebo, que fazem torre de gente, saúdam a lua, contemplam estrelas, tomam banho de sol e de chuva, colhem frutas no pé, acenam para helicópteros, pulam corda, andam em cima de muro, desafiam corda bamba, jogam bambolê, pulam amarelinha, dançam, batem pilão, fazem malabares, dão piruetas e atravessam rio a nado.
A filósofa Ângela Madeiro, casada com o artista, com quem esculpiu biologicamente a filha Risa e o filho Ud, destaca a capacidade do Dim de criar com o que lhe aparece pela frente. Como usa o recurso renovável da imaginação, ele faz corrupios de manivela, dá movimento a trapezistas, coloca carro-foguete para correr, bicicleta-helicóptero para circular e o que der na telha, com a matéria-prima que estiver ao seu alcance. Diz e prova que, para brincar, a imaginação é mais necessária do que brinquedo.
O catálogo Dim Brinquedim realça o artista brincante brasileiro, nascido em Camocim, no litoral oeste cearense. Na opinião da pesquisadora carioca Beatriz Muniz, a chave para a compreensão desse criador contumaz e de suas criaturas é que ele assumiu plenamente a condição de artista, somada ao espírito brincante. O legado de uma infância de ricos e intensos laços comunitários faz com que Antonio Jáder caminhe, marche, saltite e pule em seu fazer artístico e vital, a sons que vão de pratistas de fanfarra a cantos de galo.
E as crianças seguem seus movimentos em voos de libélulas, beija-flores, borboletas, pétalas ao vento, aviões, dragões e arraias. Saltam com ele por cima e por baixo das esculturas com voltas de cobras e minhocas gigantes. Sentam no colo da boneca banco, giram apertadas dentro de rodas, assistem a bonecos cinegrafistas filmarem a apaixonada e apaixonante cena do beijo, regam de vento árvores de rói-rói e se abraçam em colunas de abraços. O gesto mais presente na criação do Dim é o das crianças com braços levantados, dando boas vindas e convidando para brincar.