Centenário da Tapuya
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 02 de dezembro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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A música brasileira está em festa. Hoje, 2 de dezembro de 2015, a cantora cearense Nadyr Alcântara de Assis, a Tapuya, completa cem anos. No Rancho Alegre, em Juiz de Fora (MG), onde vive, ela guarda muitas histórias da artista que, depois de circular pelo Brasil em uma trupe familiar, fez dupla com o irmão Xerém (Pedro de Alcântara Filho) e, juntos, lançaram o primeiro disco em que aparece a palavra “forró” no titulo de uma composição, como sinônimo de festa popular.

O choro-sertanejo Forró na Roça (Xerém e Manoel Queiroz) deu início a uma série de músicas gravadas pela dupla em dois discos de cera (78rpm), de 1937 e 1938, pela gravadora Victor, com diversos ritmos e gêneros. Os sucessos de Xerém e Tapuya foram embalados por rancheira, batucada indígena, xote, embolada, embolada-rumba, coco, marcha, quadrilha e schottisch, um tipo de dança de salão escocesa à época adotada pelo forró.

Os títulos das composições entregavam bem o caráter espirituoso da dupla: Vamo Imbolá (Xerém / Milton de Oliveira), Vida na Fazenda (Capitão Furtado / Xerém), Quadria no Arraiá (Xerém e Pequeno Edson) e Gato no Teiado (Xerém) são algumas dessas forrobodices. Tudo em uma língua dialetal falada no interior do país, mesclando português com tupi nos falares do caipira sudestino com o matuto nordestino.

Expressando o modo de ver o mundo, de pensar e de se expressar das pessoas do campo, Tapuya e Xerém fizeram parte de um movimento de grandes artistas, dentre os quais Alvarenga, Ranchinho, Bentinho, Tonico, Tinoco, Zé Trindade, Jararaca, Ratinho e Capitão Furtado que, nas décadas de 1930 e 40 deram o tom de um Brasil rural, moleque, singelo e divertido, com espetáculos de música, teatro, dança e comicidade, fazendo muito sucesso pelos palcos do Brasil e nas ondas de rádios como Tupi, Bandeirantes, Nacional e Mayrink Veiga.

Não foi nada fácil tocar o lirismo malicioso, a alegria contagiante e o nonsense da vida rural, quando o Brasil vivia seu período de industrialização e de urbanização, tendo o governo Vargas escolhido o samba carioca como música chapa branca e investido em sua popularização como símbolo nacional. E tendo ainda o mercado fonográfico e da comunicação seguido na mesma pegada e lançado nomes maravilhosos da nossa música, na sua chamada Época de Ouro, iniciada nos anos 1930.

Foi o jornalista e escritor paulista Cornélio Pires, tio do Capitão Furtado (Ariovaldo Pires) quem literalmente bancou a gravação, distribuição e venda independente dos primeiros discos caipiras autênticos, em 1929. Com a aceitação ou não por parte dos defensores da limpeza étnica na música brasileira, artistas como Xerém e Tapuya mostraram efetivamente que também podiam chegar com sucesso ao disco e ao rádio com a arte descontraída do Brasil interiorano. E chegaram.

Em seu centenário de vida, dona Nadyr, a Tapuya, terá uma comunhão reservada à família e amigos, mas, para a história da Música Plural Brasileira, esse aniversário da garotinha que saiu do Ceará em um coletivo cenomusical e familiar para conquistar o Brasil, ao lado do irmão, representa um marco da diversidade criativa no nosso cenário musical.