Até onde a utilização da expressão “Fora Temer” representa uma disposição firme de quem a pronuncia para afastar o tirano do poder? Em que medida a generalização de que todos os políticos são corruptos atende a um real interesse de mudar o estado das coisas? Qual o motivo concreto do estímulo à segregação ressentida em nome da diversidade? Por que a intolerância predomina como recurso defensivo no combate aos pensamentos e atos odientos?
Enquanto estas e outras interrogações críticas pedem respostas que possam surpreender o nosso destino, o que parece predominar nas manifestações contrárias à tragédia moral instalada no Brasil é a lamentação efusiva por parte de muita gente que nem sempre consegue agir de modo diferente do que condena. Rejeitar o que se entende como razão da desdita política brasileira sem tomar atitudes de desconstrução de suas causas é uma forma tosca de aceitação da autoridade injusta.
A infeliz sensação de impotência da sociedade diante do poder tem muitos paralelos na história. Na França renascentista, quando Francisco I (1494 – 1547) forçou a preponderância do poder real, um jovem estudante de Direito escreveu um dos clássicos da filosofia política. O Discurso da Servidão Voluntária (Editora Nós, 2016), de Étienne de La Boétie (1530 – 1563) traz uma proposta de libertação dos tiranos que continua atual e desconcertante.
Com seu idealismo juvenil, o autor argumenta que o usurpador só consegue fazer o que faz porque é tratado como se fosse mais poderoso do que é, quando de fato o que o diferencia do cidadão comum resume-se aos privilégios a ele concedidos por aqueles que esquecem que podem ser livres. Deixa claro que não está propondo que as pessoas agridam o tirano, mas que simplesmente deixem de sustentá-lo.
O mal da sujeição está na dificuldade da população de saber contra o quê mesmo deve se indignar. O caso do mandatário escolhido pelo povo e que se volta contra seus eleitores é considerado por La Boétie como mais suportável do que o do governante que consegue o poder por meio das armas ou o que o recebe por sucessão hereditária. Ressalta, porém, o risco do deslumbramento de personagens protetoras, que, ao serem eleitas, tomam o poder a elas outorgado como propriedade sua, e conseguem certas prerrogativas que vão além dos limites dos vícios do poder.
La Boétie via na submissão irrefletida uma permissão ao dominador para continuar acreditando que tem o direito de dominar. Sua proposta de vitória da liberdade sobre a dominação está em não fazer o jogo que alimenta o tirano no poder. Ou seja, se as pessoas resolvem deixar de aceitar as provocações emanadas do sistema que mantém o soberano, sem empregar revides com os mesmos métodos, ele ficará desprovido de força e destruirá a si mesmo, e, com ele, caem também os que querem derrubar a coroa apenas para colocá-la na própria cabeça.
A aflição do tirano, no racional do pensador francês, é que ele teme a todos e evita gente valiosa ao seu redor. Quando se reúne com seus pares o faz em complôs, pois no encontro de cruéis não há amizade, apenas medo uns dos outros. Étienne de La Boétie fala da servidão voluntária como um hábito que pode ser mudado pelo despertar para a liberdade, mas afirma ironicamente que isso é difícil de acontecer porque bastaria desejá-la para possuí-la.Se é assim, por que a sociedade brasileira está se fazendo de morto em uma conjuntura de ladroagem explícita? E aqui segue em aberto o rol das interrogações…