Corpo e jogo na educação
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 03 de junho de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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A relação da arte com o ensino no Brasil ainda guarda fortes resquícios de um histórico utilitarista desperdiçador do potencial criativo dos estudantes como seres em intenso processo de descoberta. Diante desta constatação, a artista-docente Lia Franco Braga desenvolveu uma pesquisa para verificar o lugar da expressão e da criatividade da criança na educação, com atenção especial à manifestação corporal em sua comunicação com a dança e o teatro, através do movimento lúdico.

O resultado dos exercícios de mediação de jogos corporais aplicados nessa pesquisa, em forma de oficinas com crianças de cinco e seis anos, está na monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em Artes (IFCE, 2014) de Lia. Nela, o corpo é entendido como possibilidade de criação e não somente como instrumento de aprendizagem. O projeto analisa a possibilidade de o corpo se tornar jogo na Educação Infantil, de modo que meninas e meninos, ao ficarem à vontade para atitudes corporais espontâneas, tenham a oportunidade de criar a partir das suas individualidades.

A autora propõe a sistematização de jogos na rotina curricular, a fim de que as crianças em seu comportamento natural possam revelar o corpo no jogo, como mobilizador de sentidos. Tenho em boa aceitação o que ela recomenda, porquanto, nas minhas andanças por escolas que trabalham com meu repertório de músicas infantis, fico sempre encantado quando vejo expressões de consciência corporal nas vivências de composições como Coco Verde (parceria com Tarcísio Sardinha): “quebra / quebra coco / vem comigo / requebrar”. É o que a pesquisadora chama de trabalho em travessias corporais permeadas de vivências lúdicas.

O desenvolvimento de uma educação sensorial por meio da utilização de jogos, proposto por Lia Franco Braga, é associado por ela à raiz lúdica presente no jogo dramático dos brincantes da cultura popular, o que faz todo sentido, considerando que essa pulsão instintiva é um traço primitivo do humano, conforme reflexão do pensador holandês Johan Huizinga (1872 – 1945): “Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria cultura” (Homo Ludens, p.6, Ed. Perspectiva, São Paulo, 2001).

Nessa perspectiva, o que importa no jogo é o processo e não o resultado. Assim, o corpo que a pesquisadora reflete em sua monografia é aquele que, por meio da sua própria capacidade de movimento, atribui e reatribui significados, formas, conceitos e imagens, criando e recriando o seu próprio desenvolvimento. E o leque de possibilidades corporais pode ser identificado em uma simples atividade como na oficina em que Lia mediou o jogo Não Deixe a Bola te Pegar, uma brincadeira do tipo Carimba.

Em outra oficina, a do jogo de Pega-pega em Câmera Lenta, ela recorre a aspectos que lembram a sabedoria do Tai Chi Chuan, ensejando aos movimentos lentos os seus opostos. E até entra para jogar com as crianças, pois está em linha com o “ensinar brincando” da professora Santa M. P. dos Santos (O Lúdico na Formação do Educador, p.21, Vozes, Petrópolis, 1997), como estímulo adequado ao desenvolvimento da sensibilidade.