O novo livro de Cristovam Buarque traz afirmações indispensáveis ao debate para a libertação do Brasil das desventuras políticas em que o país se meteu, com a entrega do comando da República a um conservador extremista: “Por que falhamos” (Tema Editorial). Esse título, seguido do período de abordagem – 1992 a 2018 – é uma chave essencial para o nosso destino, por relacionar equívocos das forças que chegaram ao poder em nome da democracia, do respeito às diferenças e da justiça social; e por provocar os envolvidos no fracasso a assumirem a necessidade de entender o que se passou.
Ao tratar de motivos e não de desculpas, a obra do pensador e político pernambucano responde a muitas das perguntas atravessadas na garganta dos eleitores que se mobilizaram nas últimas décadas em favor de avanços sociais, mas que amargaram a derrota nas urnas, causada por tropeços da ansiedade, da arrogância, do personalismo e, principalmente, da repetição de padrões viciosos da velha política. É preciosa a inversão feita por Buarque, saindo da imputação de culpa aos truques e manipulações eleitorais do vencedor para a busca de compreensão das razões que nos levaram ao desperdício de um processo histórico tão difícil de conquistar.
Mesmo tendo participado e defendido governos democráticos e socialmente progressistas, Cristovam Buarque reconhece falhas de condução ideológica, econômica e moral nesses governos, e que essas falhas chegaram a pontos tão desastrosos que levaram parte significativa da população ao gesto desesperado de preferir o retrocesso. “O resultado é uma população descrente, que se sente traída, e um país sem coesão nem rumo. Mais grave do que crise ou recessão, deixamos o Brasil como uma civilização em decadência” (p. 27). E complementa: “Com nossos erros levamos o eleitor a preferir qualquer outro, desde que não fôssemos nós” (p. 83).
O relato analítico e crítico de Buarque torna-se ainda mais importante por ser em primeira pessoa do plural, embora tenham sido muitas as ocasiões em que ele foi derrotado por discordar de posições e rumos tomados pelos companheiros de campo político. “Deixamos o Brasil melhor do que herdamos, mas pior do que prometemos e do que o povo esperava de nós. E ainda lhe tiramos a esperança, sobretudo por termos prometido a ruptura com a corrupção, o aparelhamento, o patrimonialismo, o elitismo social e a apartação” (p. 31), e por insistir em sonhos obsoletos.
O livro realça a falta de percepção dos anseios reais de um mundo dividido entre as pessoas que servem e as que não servem ao consumismo. Fala da confusão feita entre estatal e público, do descuido com os símbolos do país, que viraram bandeiras antidemocráticas, e da inibição do espírito crítico dos intelectuais, o que resultou na falta de autocrítica e desconexão com a realidade. Isso, segundo Buarque, levou à desmoralização de líderes, à degradação do Estado (p. 50) e a uma situação de privação econômica e de aumento da violência que entregou ao aventureiro de plantão o discurso do emprego, da segurança, do fim dos privilégios e da honestidade que as pessoas desejam.
Com essa chave de diálogo, Cristovam Buarque provoca o povo brasileiro a abrir o portal do país para outro destino que não seja o de ficar preso à desconcertante polaridade política que vem destruindo o Brasil.