Na espiral de um sistema político e social que acelera cada vez mais o gosto pelo escândalo como parte de um pesadelo que promove o minúsculo da vida e condiciona a sociedade a estados de delinquência, movimenta-se, com máscaras de moralidade religiosa e da liberalidade econômica, a prefiguração de um totalitarismo barato, medíocre, pervertido e perverso. A destruição da razão pelo predomínio manipulado da experiência emocional vai, assim, fortalecendo uma blasfêmia contra os valores democráticos.
Em seu livro A Parte Obscura de Nós Mesmos (Zahar, 2008), a psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco chama a atenção para situações em que o fascínio desmedido autoriza a quem o encarna “a ser simultaneamente carrasco e vítima” (p.11). Essa talvez seja a maior tragédia da fase atual do fenômeno trans-histórico brasileiro de produção de ignorância generalizada, por ter em sua essência um paroxismo de pulsão criminal sustentado em espectros políticos que, com as devidas exceções, se estendem da direita à esquerda.
Como revigorar-se em circunstâncias tão desfavoráveis à confiança? Como aumentar a vivacidade cidadã após a perda da esperança na redução das desigualdades? Como acreditar que alguma coisa pode acontecer além da bizarrice obscurantista e da bisonhice da resistência? Como evocar outras possibilidades que não essas que insistem em se apresentar como únicas em sua reciprocidade de negativismo como tática de luta pelo poder? Nessa conjuntura, seria a ideação do passado tão inútil quanto a pregação do futuro?
O negacionismo tático gera engodo, aprofunda a cova da democracia e só serve para dar sobrevida a quem está no comando da política antiquada, funcional e sem imaginação que desorienta o País. A síndrome de ideia fixa pela venda de proteção de interesses em troca de capital político e de dividendos eleitorais planifica fanatismos, messianismos, pulsões patológicas e inclinações fascistas. Os responsáveis pela desgraça nazista tinham como ponto em comum o fato de serem “psicopatas, doentes mentais, pornógrafos, desviantes sexuais, toxicômanos ou neuróticos” (p.135), segundo estudos da psicologia científica descritos por Roudinesco.
O que fazer quando tipos assim despertam a perversidade das massas e controlam as instituições? O que esperar das pessoas que não caíram nessa tarrafa de predadores do Estado Democrático de Direito, mas que se veem cercadas pelos mesmos lançadores de anzóis com iscas lavadas, que não admitem deixar companheiros de outras correntes afins seguirem ao lado dos peixes tirando as variações de pressão da água e fluindo com as próprias nadadeiras? Como sair da resistência para a piracema?
Desnorteada por múltiplos temores reais, muitas vezes potencializados por charlatanices ideológicas, a sociedade vai ficando mais e mais mal-humorada, explosiva e explodida, dominada por fatos e informações destrutivas, e cada vez mais desatenta à força dos sonhos e dos enredos edificantes. Se tudo entra em sintoma somático, se dizer o que pensa é arriscado, se não há como respirar nem aspirar nada, como encontrar um sentido novo capaz de transformar eventos em experiência, caos em causas? O primeiro passo para sair desse inferno político é procurar escapar da inconstância provocada pela volubilidade escatológica tão presente no nosso cotidiano.