Dez pragas do Brasil
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 16 de dezembro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_dezpragasdobrasil

Deus é brasileiro, diz a sabedoria popular. E é mesmo. Nossa excepcional condição de riqueza, pluralidade e diversidade natural e cultural tem certamente em sua essência fortes predileções divinas. Acontece que, assim como ensina a narrativa bíblica da libertação dos escravos na antiguidade egípcia, a sociedade brasileira está submetida a dez pragas das quais precisa se livrar, sob pena de não realizar seu destino de lugar:

01. Praga da Sociedade Inventada pelo Estado – As circunstâncias históricas levaram o país a receber as águas tingidas de uma institucionalidade imperial tão pronta, que ainda dificulta às pessoas perceberem que o Estado está a seu serviço e não o contrário.

02. Praga do Privilégio Sobre o Direito – Rãs cobrem a terra em busca de diferenciação pelo supérfluo, fazendo com que muita gente prefira uma cortesia em vez de ganhar melhor para poder pagar o ingresso.

03. Praga da Naturalização da Impontualidade – O desprezo e a negação pelo tempo e pelo direito do outro são os piolhos dessa prática abominável de desrespeito e descompromisso.

04. Praga da Concentração – A insegurança dos que controlam poderes infesta a vida social como moscas, em medidas defensivas para maquiar a desigualdade econômica e dificultar a integração regional com equilíbrio.

05. Praga das Elites Golpistas – Filho do autoritarismo próprio da peste que ataca os viventes brasileiros, o hábito de promover golpes militares ou midiáticos recarrega o significado de um significante ameaçador da democracia.

06. Praga da Falta de Referências – No esforço para estancar o processo renovado de pústulas no tecido da cidadania, as pessoas evitam a política pelo simples fato de não saberem em quem confiar.

07. Praga dos Ressentidos no Poder – Tempestade de granizo arrasa plantações utópicas, substituindo-as por mudas de recalques, inveja e ignorância, como se bastasse um sentimento de revolta para a conquista de posições transformadoras.

08. Praga da Segregação – Em uma sociedade efetivamente mestiça os esforços de superação das desigualdades pelo isolamento e não pela conciliação acirra preconceitos e instiga a violência, gerando nuvens de gafanhotos em situação de consumismo, devastando a cultura.

09. Praga dos Mercadores da Fé – O céu escurece e, sem a luz do sol, o planeta entra em situação de trevas, com proliferação de vendedores de ilusão, que ocupam os meios de comunicação instigando as pessoas a tirarem de si a responsabilidade pelo viver.

10. Praga do Modelo Mental de Colonizado – A dificuldade de se impor, de sair na frente, de inovar e de perceber o valor que se tem no diálogo global, faz do Brasil um eterno exportador de commodities, de produtos in natura, com baixo valor agregado. A esdrúxula prerrogativa de que uma vida saudável é para poucos levou a ousadia à morte por contaminação.

É da falta de controle dessas pragas renitentes e do desperdício de uma estrutura social nuançada e empreendedora que decorre o conjunto sincrônico de constantes responsáveis pela situação de calamidade que atravessamos. A crise política atual pede, antes de tudo, uma revisão de senso comum!