Diálogos da despedida
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 11 de julho de 2013 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Passaram-se mais de oito anos desde o dia em que comecei a publicar esta coluna no Caderno3 (DN, 19/03/2005). Por todo esse período, procurei dar tudo de mim para ter o que conversar com você, leitor, respeitando o seu tempo, a sua atenção e o que você pensa. Tenho muita gratidão por essa convivência no plano da troca de informações e de ideias, assim como sou grato aos meus colegas de redação e agradecido à direção do jornal pelo consentimento e pela oportunidade. Mas estou repaginando alguns compromissos e, hoje, despeço-me deste espaço, destacando um pouco de como se deu essa relação de intimidade dialogada.
Um dos aspectos que mais me animaram ao longo dessa década, motivado pelo que me inspira na experiência do viver e da operação da vida, é o ir e vir dos pontos de vista e a agradável sensação de integrar pontos de conexão do nosso grande aprendizado coletivo. Talvez você, leitor, não tenha a dimensão do tanto que participou dessa construção intensa, sensível e permanente. As diferenças de sotaques, as angulações do pensamento e o variado perfil de interesses demonstrado aos temas que abordo estão na base dessa dinâmica de efervescências.
As vozes dos leitores soam para mim como os cantos dos galos, no poema de João Cabral (1920 – 1999), que acordam uns aos outros, tecendo a manhã. Diz um leitor: “Gostei muito de ler seu artigo. Equilibrado, uma voz que se ergue a favor do momento mágico pelo qual passamos”. Comenta outro: “É sempre com imenso prazer que ao iniciar meu dia de trabalho, encontro seu texto maravilhoso para nortear meu pensamento e me dar a certeza de que somos LAVRADORES do cotidiano. Você lançou conceitos essenciais para a discussão dos valores de nossas vidas e sempre traz ideias surpreendentes”.
Em outro nodo dessa teia de falas, respondem os autores das obras enfocadas por mim. ” Fiquei muito satisfeita com sua reflexão. Para nós é uma honra que nosso trabalho o tenha inspirado (…) bom saber que nossos textos te sensibilizaram e que você pode sensibilizar seus leitores”. E, de outros pontos cardeais, escuto: “I am honored and delighted by how much you appreciated the book. It is one of the nicest articles anyone has ever written about my work. Thank you again! And my very best wishes to you on your writing”. Algo como “Sinto-me honrada e feliz pelo tanto que você apreciou o livro. É um dos melhores artigos que alguém já escreveu sobre o meu trabalho”.
No entrelaçamento pelas comunidades educadoras, semeando o debate sobre a infância, escutei: “Seu depoimento é emocionante e um exemplo a ser seguido por todo aquele que se coloca na condição de facilitador na educação dos filhos”. O argumento ecoa em: “Já li e vou reler depois e mostrar à minha mulher e a amigos que têm filhos”. E reverbera em diferentes territórios, na intenção de ampliar: “Bela crônica. Ela me informou bastante (…). Ficarei mais atento a esse universo. Vou buscar apoio na minha netinha” ou “Obrigado por me oferecer seu texto brilhante. Já postei no meu Face. Quem sabe alguma mãe e pai se interesse”.
A discordância franca é um dos sons que embalam esse vaivém: “Desde o início seu texto me fez evocar a figura de Kepler que, de tanto vasculhar as esferas celestes e em sua paixão pela música, afirmava ouvir as harmonias das estrelas… Creio humildemente em sua palavra, embora em minha incapacidade astronômica não consiga capturar tais melodias”. Ouço tudo isso com atenção: “Gostei de seu comentário na resenha que faz da obra em apreço. Sempre atento e sabendo separar incisivo o que vem de bom. Só há um ponto – mas parece que ele está no subtítulo do livro – que provoca náuseas: é esse besteirol de identidade (…) Mas que fique claro: não falo de você, e sim genericamente”.
Mesmo que meu raciocínio venha à tona sempre por inspiração da pessoa e da cultura, quando esse raciocínio tangencia a política, os galos parecem mais exaltados. Um grita: “O argumento do artigo está bom. Mas esse ‘presidenta’, para se referir ao clone do Lula, é de lascar! Ora, no velho vernáculo, os substantivos e adjetivos em ante e ente são dos dois gêneros. Portanto, ao se referir a ela, por isonomia, você vai ter que usar: participanta, inconvenienta, semoventa, preocupanta e por aí vai”. Outro rebate: “Concordo quase integralmente com sua reflexão. Só não na parte que vc entende que o STF é o ‘mudancista’ destes novos tempos que todos nós almejamos”. E o grito voa: “bem razoável sua argumentação. mas aqui em bh perdemos no 1º turno por conta desse maldito mensalão”.
A aproximação de olhares também tem seu canto junto aos raios de sol desse amanhecer compartilhado: ” (…) Me identifico totalmente com o seu texto. Lançar esse olhar sobre o mundo, sobre a sociedade (…) É o que acredito e procuro transmitir às pessoas nas minhas palestras e oficinas”. Às vezes destacam-se ruídos: “Li e reli! A sensação é de uma encruzilhada”… e às vezes a harmonia que entra pelas frestas: “Seus textos são sempre um convite à imersão cultural. Fiquei feliz com as boas perspectivas trazidas por essa classe de jovens que está pensando no coletivo e na troca de saberes. Que bom! Que bom!”.
No seu papel de propagador do raiar da manhã, o leitor deixa escoar sugestões: “Foi na lata sua crônica sobre as tais cotas… É o meu pensamento também. Sobre esse assunto li um livro realmente extraordinário do Antonio Risério: Utopia brasileira e a consciência negra (ed. 34). Você já leu?”. E fica à vontade para propor: “Sou professor na PUC-Goiás e sempre indico seus textos para meus alunos darem uma olhada e fazer comentários. Parabéns pela sabedoria em escrever coisas boas, simples, construtivas e atuais. Que tal escrever sobre a questão religiosa hoje no Brasil?”.
Da mesma forma que me instiga a buscar por temas palpitantes, o leitor procura ir além do que escrevo na coluna: “Gostei muito do texto. E aproveitei para ler ‘Um mendigo original’. Li algo do João do Rio na época da faculdade de Letras. Fiquei com vontade de reler”. E vai mais: “Muito bom! Nunca tinha ouvido falar dele e achei bem interessante”. E mais: “Sou estudante do 5º período do curso de c.sociais Puc Campinas e nesse ano estarei iniciando meu Trabalho de Conclusão de Curso. Gostaria de fazer sobre o Saci Pererê e sua importância para a cultura brasileira, será que por acaso você poderia a me indicar alguns livros e /ou artigos?”. E muito mais: “Estuve leyendo tu artículo y me metí por Google. Siempre leo varios puntos de vista para poder comparar. Me gusta tu punto de vista. Bellísima nota”.
Os elogios diretos mexem com a responsabilidade ao mesmo tempo que me empurram ao espaço do livre pensar”: “Admiro sua clareza de entendimento e como usa as palavras para se expressar”, escreve uma leitora. “Seus textos são transbordantes!!!”, exclama um leitor. “Foi lindo ver isso. Vc fez a crítica mais consistente da expô”, comenta outro. Nas nuvens, escuto as ondas em repetição: “Instigante e uma grande contribuição para a memória cultural tão esquecida”. E me seguro para não perder escala na irradiação do olhar generoso: “Toda vez que leio um texto seu recordo-me de Bertolt Brecht, eternizado na voz de Mercedes Sosa: “Hay hombres que luchan un día y son buenos (…) pero hay los que luchan toda la vida, esos son los imprescindibles”. Se Brecht tivesse conhecido você acrescentaria: “Hay unos pocos que luchan toda la vida y son felices en esa lucha, uno de esos es Flavio Paiva, un hombre imprescindible”.
Como se pode observar, o diálogo com os leitores ganha mundo pelas plataformas físicas: “Não sei se já lhe falei, mas tenho usado alguns de seus textos em sala de aula…” e “Encaminhei seu artigo para uma escola importante da minha cidade. Parece-me que todos os professores leram e aprovaram seu artigo, ótimo por sinal”…; e plataformas virtuais: “Eu não conhecia o livro, mas já entrei na página do projeto e indiquei para outros/as colegas…” e “Como sempre, texto muito pertinente. Denso, ao mesmo tempo leve, e que leva o sujeito a pensar! Muito bom. Já mandei pra todos os meus contatos se deliciarem lendo”. Tudo em uma experiência concreta de cultura do compartilhamento: “Artigo excelente, principalmente para aqueles que só ‘ouviram falar’ do evento e saíram tirando conclusões precipitadas. Obrigada, Flávio. Repassei-o para meus amigos”. EU QUE AGRADEÇO! Até já.