A primeira lembrança que passa em nossa cabeça quando pensamos no concerto de uma orquestra é a de reverência ao mundo erudito, assim como a primeira imagem que temos de um grupo de teatro e palhaçaria é a de irreverência popular. No entanto, tudo fica fora das primeiras impressões quando os dois se encontram para um espetáculo que tem em comum a música infantil, mas também o humor.
Crianças e adultos que foram ao Cineteatro São Luiz no domingo passado (13) puderam experimentar formas vivas de diversão e de renovação na arte pela graça, pelos gestos e pela poética da infância na apresentação da Orquestra Contemporânea Brasileira, sob a regência do maestro Arley França, e do grupo Dona Zefinha, dirigido pelo dramaturgo, compositor, músico e cantor Orlângelo Leal.
Com repertório de canções infantis transgeracionais, estendido desde trilhas de desenhos animados da Disney até peças do álbum O Circo Sem Teto da Lona Furada, dos Bufões, esse espetáculo vai ao encontro de interesses e motivações da criança em qualquer tempo. Belezas de Toquinho e Vinícius passeiam pelos corações da plateia de mãos dadas com outros clássicos, como a História de uma Gata (Luiz Enriquez / Sérgio Bardotti), na linda versão de Chico Buarque: “Nós, gatos, já nascemos pobres / Porém, já nascemos livres”.
Fazendo dos sons brincadeira e do brincar jogos sonoros, o concerto em piruetas leva as crianças para casa cantando “Eu vou, eu vou”, com os sete anões da Branca de Neve, da mesma maneira que promove um buzinaço para salvar o Sapo Cururu de um carro em disparada. Reelaborando o lúdico presente nessas obras, o espetáculo transcende as fronteiras dos trabalhos voltados ao público infantil, alcançando os adultos em suas meninices.
Compartilhar a comunicação com a plateia é missão bem cumprida pela trupe abrilhantada pela ação dos palhaços Panfeto (Ângelo Márcio) e Pafim (Paulo Orlando), pelo canto suave da atriz e cantora Joélia Braga e pela marcação de tuba do virtuoso Samuel Furtado. A narrativa abre-se ao público que, ao assumir seu lugar de interação, transforma palco e plateia em um grande campo de manifestações eufônicas. E Orlângelo pede “palmas para vocês!”, selando a cumplicidade.
No livro A Canção para Crianças (Gramofone, 2011), a compositora paranaense Rosy Greca propõe quatro valores essenciais para o balizamento de obras musicais dirigidas a crianças: o encantamento, o respeito à diversidade cultural, a qualidade técnica e o valor educativo. Os quatro estavam nesse domingo de música, teatro e palhaçaria, por meio de elementos essenciais à vida “sensível e intelectual” (p.63), do reforço da “identidade cultural” (p. 75), do rompimento com a ideia de que para criança “qualquer musiquinha serve” (p.77) e dos cuidados para não confundir sentido educativo com “canções didático-pedagógicas” (idem).
A compositora, cantora e contadora de histórias infantis niteroiense Bia Bedran abraça também os cuidados com a necessidade da hospitalidade estética para meninas e meninos, em seu livro A Arte de Cantar e Contar (Nova Fronteira, 2012): “A arte nos dá um olhar diferenciado ao que se nos apresenta em bombardeio diário pelos meios de comunicação” (p.152). Esse é um bem muito farto nesse espetáculo que avizinha magistralmente os tempos cíclicos de crianças e adultos.