Uma das alegrias que tenho na vida é a de, ao longo do desenvolvimento do meu trabalho de combinação de literatura e música, ter encontrado parceiras e parceiros artísticos para a prática da convergência de interesses comuns e de atrações subjetivas. Mais uma vez enchi-me desse contentamento ao ver no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza (28 e 29/01/2023), o espetáculo “Balanceio do Torito”, fundado nos conteúdos literários e musicais do meu livro “Que noite, Torito!” (Telos Editora).
Na plateia, uma mescla orgânica de idades revelava que a sensibilidade e os prazeres estéticos não estão condenados aos enquadramentos etários dos velhos estudos demográficos, nem às classificações etárias que ditam o consumo cultural. No palco, acolhida pelo cenário artesanal e futurista de Adjafre, uma banda luminosa, formada por Caleb, Cláudio Mendes, Gustavo Portela, Hierro e Thais Costa, sublimava o espaço, onde refletiam-se as cores suaves e brilhantes da voz da cantora uruguaio-brasileira Luana Baptista.
Atribuo esse tipo de realização multiparticipativa e integral a dois tipos de alianças e a um segredo.
A primeira dessas alianças é com minhas parceiras e parceiros de composições. Nesse processo de criação de obras, sinto-me como se modelássemos em nós uma flor com suas hastes, folhas e pétalas coloridas, da forma e do tamanho que forem, sedosas ou ásperas, vistosas ou discretas, e com alguma fragrância, formando um conjunto capaz de atrair polinizadores. Após dar sentido aos sons e às palavras, cada parceira ou parceiro fica com a autorização permanente para utilizar a canção parida em seu próprio trabalho. A remuneração por Direitos Autorais se dá somente em caso de cessão a terceiros.
A segunda aliança é com intérpretes, e funciona como o acordo instintivo da flor com a abelha: a flor oferece pólen, néctar e óleo à abelha, e esta, com seu corpo plumoso e habilidade de voo, espalha o pólen ao visitar outras flores, possibilitando a fecundação da literatura e da música nos jardins das plateias. Desse movimento que parte da busca por recursos florais surgem as sementes que, encontrando terreno fértil para vicejar, possibilitam novas plantas no pomar da cultura.
O segredo da realização coletivizada está associado ao sentido de colmeia, pelos favos de cera onde as abelhas depositam o mel, mas também pelo canto de imaginação presente na voz dos personagens dos meus livros. E aqui estão os músicos e todas as pessoas envolvidas na produção editorial e musical. Tenho para isso um enunciado de amplidão e síntese colhido no poema “Poética”, do jornalista e escritor espírito-santense Geir Campos (1924 – 1999) que diz assim:
“Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
– rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
Que ao dizer
– já!
todos soubessem o que haviam de fazer”.
Essa ideia de nitidez da fala e de clareza do empenho, sintetizada no poema de Geir Campos, é o segredo que potencializa as duas alianças que movem com expressividade as minhas relações de flor em flor, abelha por abelha na grande comunidade da produção independente.
Fonte:
https://fliphtml5.com/dcprc/dlfh