Educação financeira na infância
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 29 de Novembro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O aumento do poder aquisitivo da “nova classe C”, os efeitos dos estouros das bolhas de consumo, o atual caráter digital do dinheiro, o fantasma da inadimplência, a má qualidade de gastos, as novas formas de ganhar e de perder dinheiro e a elevação da taxa de expectativa de vida da população estão entre os fatores de pressão mercadológica e de necessidade social que colocam na nossa pauta o debate sobre educação financeira.
Ao passo que o assunto cresce de relevância, torna-se mais e mais urgente a discussão sobre como organizar a situação financeira e, principalmente, como os adultos devem orientar as crianças a desenvolverem o hábito de lidar bem com o assunto. A ideia de que a educação financeira deve levar em conta o valor relativo do dinheiro no planejamento da vida foi o tom da minha palestra “Educação financeira na infância”, realizada na terça-feira passada (27) na faculdade CDL Fortaleza, antecedida por uma apresentação do Instituto Alana e sua busca por alternativas transformadoras que honrem a criança, feita pela educadora social paulistana Mônica Xavier.
O bom-humor cearense tem suas máximas para sintetizar essa questão de consciência e competência social: o brega-star Falcão afirma que “O dinheiro não é tudo, mas é 100%” e o cartunista Mino revela que “O dinheiro não traz a felicidade, apenas financia”. Ambos apontam a sabedoria do riso para o valor referencial de cédulas e moedas, reconhecendo a força do dinheiro como meio de realização, mas ponderando seu poder de se bastar.
A educação financeira é uma experiência cotidiana. Como toda educação, é mais exemplo do que argumento. Saber o que é necessário e o que é supérfluo no uso inteligente do dinheiro é uma habilidade que depende do estado de consonância entre os pais e a boa imagem que a criança pode fazer de si no reflexo dessa convivência. Cada família é uma família e cada criança uma criança. O ponto em comum para a educação financeira pode estar na visão da cultura da infância como um mundo ocupado por agentes ativos, úteis à vida familiar e capazes de influenciar e de serem influenciados.
Na relação do adulto com a criança, no campo da educação financeira, é fundamental que a criança seja tratada como criança e o dinheiro como dinheiro, para que meninas e meninos não passem a agir como se fossem meras cifras circulantes. O pensamento operativo precisa ficar fora dessa relação, a fim de não estimular comportamentos extemporâneos. Não dá para transferir excesso de responsabilidade à criança, pois esse tipo de exigência pode resultar na financeirização do viver. O sentido de “ter” dinheiro fica mais leve quando enfocado pelo viés do que pode e do que não pode ser feito com ele.
Ao se dirigir à criança para falar de educação financeira, o adulto deve fazer isso com a ciência de que o uso do dinheiro é uma prática social em permanente construção; portanto, uma ferramenta de relação social e política. Deve colocar o dinheiro no plano dos recursos de sociabilidade, na sua dimensão comunitária e de integração nos mundos social físico e social virtual. E não esquecer que dinheiro também é água, luz, alimento, viagem, brinquedo, ingresso do parque, do show, do cinema, mas também é lixo, desperdício, reciclagem, reutilização.
Nessa correspondência entre ganhos e perdas, decorrente do bom e do mau uso do dinheiro, um ponto essencial da educação financeira é a noção de que poupar é diferente de acumular. Temos que ter em mente que a ideia de futuro, na perspectiva da infância, é quase um presente. E tratar isso com leveza, sinalizando para a criança sobre algum tipo de reserva feita para ela e nunca oferecer dinheiro como compensação por suas obrigações familiares e escolares. No momento certo, dependendo da maturidade de cada uma, possibilitar que a criança acompanhe contas e investimentos familiares, até o dia em que ela, já adolescente, possa cuidar de alguns pagamentos.
Em uma boa educação financeira, não cabe avareza nem consumismo. Aprender a fazer o que gosta com dinheiro é diferente de simplesmente gastar. Diz o saber popular que “da vida a gente leva a vida que a gente leva”. E, para assegurar esse sentido em todas as fases da vida, a inteligência coletiva cunhou outro adágio: “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. A conta entre viver apertado e viver a vida faz parte de uma equação que não leva a um ou a outro resultado específico, mas ao equilíbrio entre esses fatores extremos. O desafio para isso está na maneira como extraímos dos motivos de viver os nossos meios e modos de vida.
A pressão do mercado para que o tema seja logo adotado na escola não tem a mesma cadência da necessidade social. Claro que a escola precisa refletir sobre o assunto, mas não é razoável querer que ela assuma sozinha essa responsabilidade. Em primeiro lugar, essa é uma atribuição da família. Têm sido comuns as recomendações de especialistas e consultores para que pais e professores enquadrem a educação financeira em faixas etárias. Acho esse didatismo um tanto forçado. A educação financeira não precisa desse tipo de racionalidade em casa, nem de ser uma disciplina específica na escola. Na família, ela pode ser tratada naturalmente como ponto de atenção, conforme as circunstâncias, e, na escola, apenas como um tema interdisciplinar, a exemplo da ética, da educação ambiental e da educação de trânsito.
A eficácia da educação financeira passa também pela percepção que as crianças têm do valor do trabalho dos seus pais. Para isso, é fundamental que as empresas incorporem a infância nos seus planos de cidadania empresarial. As empresas são equipamentos sociais que também educam. E fazem isso quando desenvolvem programas que levam os filhos para conhecer o local de trabalho dos pais, quando valorizam e destacam os profissionais que cuidam bem dos filhos, quando incentivam mais o tempo de permanência juntos de pais e filhos e quando faz questão de que cada funcionário goze seus dias de férias na plenitude. A educação financeira é corresponsabilidade da empresa humanizada.
Na família, na escola, nos templos, nos órgãos públicos, nas ongs, nas associações de bairros e nas mídias, a educação financeira pode ser reforçada com atividades que passem conceitos em exercícios de finanças lúdicas, como por exemplo: a realização ou promoção de feiras de troca de brinquedos permite a percepção do valor do consumo solidário; a venda e a compra de livros usados no final do ano dá ensejo ao que significa economizar e conservar; o acompanhamento aos pais nos momentos de compra serve de aprendizado do caro e do barato, da pesquisa de preço e da negociação.
Outros recursos caseiros podem contribuir efetivamente para a educação financeira na infância: ter um pote de troco é uma forma de demonstrar que, quando juntos, pequenos valores podem valer mais do que imaginamos; manter usualmente o cofrinho, a semanada ou a mesada é uma oportunidade de exercício de planejamento e de controle da decisão; brincar com jogos de tabuleiro, inspirados em fundamentos econômicos, possibilita o entendimento da função e dos efeitos do dinheiro na dinâmica social. Para descolar as crianças da influência dos pais e aproximá-las do discurso sedutor da publicidade, na hora da compra de presentes, o mercado inventou o presente em dinheiro e prega essa falsa autonomia como educação financeira.
A educação financeira ocorre de fato quando se aprende a sentir e a tratar o que o dinheiro significa, nos seus aspectos objetivos e subjetivos. O contentamento do ganhar é uma experiência ao mesmo tempo objetiva (retribuição concreta do todo para o indivíduo) e subjetiva (reconhecimento da contribuição individual para o todo). A sensação de prazer do gastar é, por sua vez, destacadamente objetiva, por ser uma necessidade, condição que, quando relaxada, pode tornar-se incontrolável. E o sentimento de poupar e de investir é essencialmente subjetivo, por produzir bem-estar de confiança na perenidade do viver.