Um grupo de crianças com idades entre sete e 13 anos diverte-se aprendendo a distinção entre vácuo e ar. Uma garrafa é aberta dentro da água, mantendo o gargalo para cima, e a água entra na garrafa enquanto saem bolhas. Em seguida, repetem a experiência com o gargalo virado para baixo e a água não consegue entrar porque o ar está detido pelo vidro do frasco e não pode subir à superfície.
Era o início do ano de 1907 e quem estimulava aquelas crianças a fazerem tais descobertas era uma cientista brilhante que convidara um grupo de amigos a experimentar uma forma cooperativa de educar os filhos. Anos antes, em 1903, Marie Curie-Sklodowska (1867 – 1934) já tinha ganhado, juntamente com o seu amado Pierre Curie e com o físico Henri Becquerel, o Prêmio Nobel de Física. Irène, a filha de Marie e Pierre, que estava no grupo, ganhou posteriormente o Nobel de Química (1935), em parceria com o marido Frédéric Joliot.
A cooperativa não era um prédio escolar, mas uma ideia que se desenvolvia em lugares distintos. Se a aula era com o físico Jean Perrin (Nobel de Física em 1926), acontecia em um laboratório da Sorbonne; se de matemática, as crianças eram guiadas por Paul Langevin em Fontenay-aux-Roses; se na Escola Municipal de Física e Química de Paris, quem conduzia era a própria Marie Curie (também Nobel de Química em 1911); se de artes, a sala de aula era o estúdio do escultor Jean Magrou, e assim, aconteciam também os estudos de literatura e ciências naturais.
No livro “Madame Curie”, da filha Ève, publicado em 1937 e lançado no Brasil logo no ano seguinte com tradução do sempre antenado Monteiro Lobato, essa experiência da cooperativa é relatada em detalhes. O grande despertar pedagógico trazido por esse empreendimento foi o método do questionamento e da experimentação no destrinçar das leis da natureza, por meio de situações envolventes capazes de produzir nas crianças a alegria da busca e o orgulho da descoberta.
Reli neste final de semana o livro “Aulas de Marie Curie”, anotadas e ilustradas por Isabelle Chavannes (Edusp, 2018), a mais velha das crianças que frequentaram os dois anos de existência da cooperativa (1907 e 1908). Nele, a aprendizagem parte da empolgação. A aplicação prática das ciências se dá em uma busca descontraída por respostas e soluções, passando pela imaginação até chegar à reflexão.
A iniciativa de Marie Curie de reunir amigas e amigos para compartilharem com filhas e filhos o amor pela ciência foi também uma maneira de oferecer às meninas oportunidades iguais de acesso ao conhecimento, o que normalmente era facultado apenas aos meninos. Nascida em Varsóvia, tempo em que a Polônia estava ocupada pelos impérios russos, austríacos e prussianos, ela precisou migrar para Paris, onde, mesmo não havendo espaço para a mulher no campo das ciências, existia pelo menos a possibilidade de conquista desse espaço. E foi o que ela fez.
Aproveitei a minha vibração com essa leitura e assisti ao filme “Radioactive” (Netflix), da diretora iraniana Marjane Satrapi, com a atriz londrina Rosamund Pike no papel de Marie Curie. Essa cinebiografia revela o drama existencial da mulher que criou o conceito de radioatividade, além ser responsável por descobertas científicas que contribuíram para grandes transformações no século XX. Mostra uma cientista empenhada na evolução da humanidade, mas preocupada com o acesso humano aos segredos da natureza.