Em busca de cumplicidade
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 26 de novembro de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Na atual crise mundial de representação política, o primeiro grande desafio das pessoas públicas é cumprir efetivamente suas funções públicas. As novas lideranças políticas sabem que o poder real não está mais apenas nas esferas clássicas de poder; está espalhado; situação que recomenda a conversão de demandas sociais em alternativas de governabilidade.
O compromisso público, ante a desilusão generalizada com a política tradicional, começa com a busca por novas formas de pensar a relação de cumplicidade entre povo e governo; um mutualismo de corresponsabilidade permanente, cuja sustentação passa por mudanças de hábitos capazes de permitir que a sociedade civil ocupe o seu devido lugar na lógica do poder.
É o que estão procurando fazer o governador eleito Camilo Santana e sua vice Izolda Cela, quando se abrem à participação das pessoas na elaboração de um plano participativo de governo, como um lugar para a política na experiência cidadã. Com isso, eles demonstram estar atentos ao fato de que governar torna-se cada vez mais um ato de “diálogo e proximidade” e que o momento é de construção de convergências.
Para dar o tom do que esperam da sociedade nos seminários de pactuação que realizarão de dois a quatro de dezembro, Camilo e Izolda realizaram um encontro no sábado passado (22) no Centro de Eventos, com conferências emblemáticas dos economistas Márcio Porchmann e Ladislau Dowbor. Em sua fala, o governador eleito destacou a importância da experiência de ouvir as pessoas como prática fundamental para o avanço do processo de desenvolvimento do Ceará.
A depender da convicção de Márcio Porchmann, um princípio simples que pode ser norteador de política governamental na atualidade é o da distribuição de renda para crescer e não o de crescer para distribuir renda. A proposição de Porchmann é diametralmente oposta à antiga tese do ex-ministro Delfim Netto, resumida na malfadada metáfora do bolo que precisava crescer para depois ser repartido.
Ladislau Dowbor também abordou o tema da desconcentração, mas no âmbito da política. Para ele, a sociedade da internet e dos celulares que fazem fotos e enviam mensagens instantâneas não aceita mais ficar de fora das decisões que afetam o seu cotidiano. Como ilustração, comenta que as pessoas não se contentam mais em se reunir para aplaudir os eleitos, pois querem decidir qual o tipo de computador é o melhor para a escola dos filhos.
A política não cabe mais nos gabinetes. As informações vazam, entram e saem pelas frestas digitais. Os anseios também mudaram. A criação de cumplicidade de setores organizados da sociedade na construção do Plano de Governo é fundamental para dar sentido às ações administrativas, em um ambiente povoado de políticos vorazes, muitos dos quais saqueadores do erário público. Sem contar com a nova direita raivosa, que, como tentativa de retomar os privilégios da concentração, faz de tudo para inviabilizar ações governamentais distributivas.
Camilo e Izolda assumem o governo do Ceará em um momento que o Brasil se esforça para enriquecer a democracia representativa com elementos da democracia participativa. Neste aspecto, a igualdade deixa de significar uniformidade, para ganhar a conotação de direito de acesso à produção cultural, à educação e à economia. Assim como a ideia de controle público dos meios de produção se desloca para a regulação das finalidades econômicas em favor dos interesses da sociedade, na configuração do Estado Social de Direito.
É nesse cenário que as propostas à mesa do Plano de Governo se inclinam a um sistema político com sete perspectivas orientadoras de desafios que se estendem desde o compromisso de uma gestão democrática e por resultado até um Ceará de oportunidades culturais, educacionais, econômicas e de bem estar de segurança. O documento preliminar fala, dentre outras razões, de cultura de paz, recuperação e uso inteligente dos recursos naturais, coesão territorial, economia solidária, turismo de qualidade, valor agregado e promoção da convivência comunitária.
As dificuldades no comando da gestão pública são muitas. Tudo depende de pacientes articulações com parlamentares raramente interessados no que é de interesse público. A movimentação da máquina oficial está sujeita ainda a maquiavélicas anomalias burocráticas como a do “aos amigos tudo e aos inimigos a lei”. E, para completar, como diz a ex-ministra Gleisi Hoffmann, não é fácil dirigir uma estrutura que tem a estabilidade na base e a instabilidade no comando.
Este tipo de complexidade necessita de algo mais pleno do que as coalizões partidárias para assegurar a governabilidade e a dinâmica da vida republicana; necessita de um sentido de destino, de crenças que apontem para onde se deseja ir, como ir e qual o nível de compromisso compartilhado entre governo e sociedade na travessia. Com suas sinalizações de interferências positivas na forma de tratar o meio ambiente, a cultura, a infância e a economia, com potencialização das oportunidades sociais, a expectativa é de que, mais do que um plano participativo de governo, o Ceará tenha um plano de governo participativo.