Eugénia Tabosa nasceu em Lisboa, no dia 16 de dezembro de 1931. Neste 2021, quando comemora seus 90 anos, a artista visual e escritora lança três livros com sua produção poética e literária antes disponibilizada apenas no mundo das redes digitais. Ceramista, pintora e professora de Educação Visual, seus textos minimalistas têm destacada coesão imagética na presentificação de aspectos comuns da vida diária.
Foram muitas as vezes que ela cruzou o vão do oceano que une e separa Portugal do Brasil, fixando-se em São Paulo nas duas últimas décadas. A dimensão vivida, sentida, desejada e refletida da sua criação manifesta-se em palavras mobilizadas por uma memória afetiva e por uma hereditariedade emotiva e sentimental, sublinhadas e sublimadas pela experiência do ver como práxis.
Nas páginas de “Microcontos” (Aspas, 2021), o olhar de Eugénia Tabosa desloca-se em cenas cotidianas, chamando o leitor a participar do enredo que se forma enquanto ela fala: “Mãos dadas, chutando pedras pelos caminhos, Paulo e Maria faltaram à escola pelo primeiro de muitos outros dias” (p.13). Como essa, dezenas de micronarrativas revelam a essência de pequenos acontecimentos do dia a dia.
A poesia do livro “Ao sabor do vento” (Arribaçã, 2021) está cheia de sonhos, constatações e utopias. “Terra (…) Levei séculos a somar descobertas / e enganos, pensando-te só minha: / assim te usei, gastei e deformei / arrogante do meu ser / ignorando os outros seres” (p. 20). São pinturas em versos que transitam animistas entre a paixão e a comoção, o longe e o perto das pontas dos dedos e do coração.
Diferentemente do enquadramento fixo da fotografia dos microcontos e da pintura das poesias, a autora mexe os cenários construídos de palavras em “Haicais” (Terra Redonda, 2021), sintetizando momentos de vínculos da natureza com a vaidade humana: “A estrela que no céu brilha / nem sabe / do nosso olhar” (p. 45); e da vida natural com o ambiente construído: “A água do rio / passa e abraça / os pilares da ponte” (p. 15).
Entre Portugal e o Brasil muitas metáforas cruzaram o tempo e os olhares em idas e vindas. Ao escrever o haicai “Nos fios elétricos / os pássaros / escrevem música” (p. 65), Eugénia Tabosa se comunica pelos mesmos filamentos de sensibilidade do vate portuense António Nobre (1867 – 1900), do poeta paulista Cassiano Ricardo (1895 – 1900) e da banda pop luso-brasileira Secos & Molhados quando confluem no canto: “Nos fios tensos / da pauta de metal / as andorinhas gritam / por falta de uma clave de Sol”.
A imagem do pentagrama com as andorinhas pousadas fazendo as vezes de notas musicais sem se darem conta do que os fios transmitem sobre o que se passa no mundo – porque para fazer a leitura dos acontecimentos lhes falta uma orientação, simbolizada na clave de sol – aparece no lirismo de Eugénia Tabosa, como se cada pássaro tivesse clareza da nota que representa; por isso, juntos, conseguem escrever a música.
Ao ler este haicai, todos esses pensamentos circularam pela minha cabeça, como parte do exercício da subjetividade no fenômeno da leitura. Os microcontos, os poemas breves e os haicais dessa trilogia exprimem com naturalidade momentos da experiência de vida de todos nós, como fazem as artes fotográfica, pictórica e cinética. Escritos visuais requerem apenas o olhar espontâneo de quem lê para se realizarem. Esse prazer do olhar é o presente que, no ano do seu aniversário de nove décadas, Eugénia Tabosa nos dá do que escreveu para si.