De tempos em tempos reunimos a nossa família com famílias de amigos pelo simples prazer do encontro. Nesse programa, que chamamos de “Fazendo nada com os amigos” não há pauta nem interesses que não sejam os de ficar uns com os outros da forma mais a vontade que o espírito de cada um tem de organizar o tempo.

O ponto de encontro deste ano está sendo uma comuna de serra nos alpes franceses, no aconchegante chalé dos queridos Bernard e Madeleine. Aqui, o verão ajuda a descortinar a paisagem deslumbrante que há por trás dos tradicionais cenários das estações de esqui. As montanhas, despidas de gelo, convidam para caminhadas em verdes e sombreadas trilhas, cachoeiras farfalhantes e silêncios depuradores.

La Morte é um lugar que nos permite dar a volta ao mundo e nos aproximar do que somos na natureza. Nele, contemplamos dimensões da essência e não os fenômenos que imprimem ordem à vida e ao viver. Diante de sua singularidade, os atos pedem a conjugação do verbo latino “pendere”, no sentido de ficar suspenso, como os próprios pensamentos.

Nossos vínculos e percepções não são nem de outrora nem do vindouro, mas de um presente feito de presenças. Além dos anfitriões, Ana, Ricardo, Isabel e Cecília, Catherine, Efthymios, Constantin, Aristide e Eleonore nos dão a alegria de uma vivência cogeracional espontânea, entre avós, pais, filhos e netos, a fruir com a serenidade do que o outro é na completude da natureza, manifestada na poesia da montanha e na calma como condição da existência.

Escrevo esta crônica enquanto, pela janela, aprecio o nascer do dia. Somente o canto de alguns pássaros chegam com a luz do sol, enfatizando particularidades gradientes e sensíveis das sombras do monumental maciço alpino. Detenho a minha atenção nos lugares da mata por onde andamos alguns quilômetros na subida que fizemos por mais 200 metros acima dos 1400 de altitude do vilarejo.

 

O suntuoso deslocamento do olhar pelas camadas de claro-escuro da vegetação e das rochas que parecem flutuar sobre as copas das árvores me confere uma perspectiva de inspiração humana diante da leveza arbitrária das montanhas. Sim, tudo se torna leve à medida que observo a paisagem sem o peso que tendemos impor à sua grandeza. Fiquei imaginando os meses que a região passa coberta de neve, com o vaivém de turistas e de desportistas de inverno.

Contraposta ao movimento da alta temporada de esqui, talvez a estação de sol seja vista como um período em que nada acontece. Raciocinando assim, muita gente pode não ver motivo em deslocamentos para “Fazer nada com os amigos”. Entretanto, o desprendimento fora das modelagens de maximização do tempo, do tecnicismo, do senso de utilidade, dos ganhos exaustivos de produtividade, da competição acirrada e da eficácia nos relacionamentos tem alcances re-existenciadores das particularidades dos modos de vida em sociedade.

A ideia de ficar sem fazer nada carrega um histórico negativo na sociedade de consumo, algo comumente visto como falta de aspiração e baixo nível de comprometimento com urgências e obsolescências programadas. Não acreditamos nisso. Das vezes que nos locomovemos para colocar essa experiência em prática, aprendemos que ela nos leva a estreitar afetuosidades e isso nos dá a sensação de que, ao “fazer nada com os amigos” estamos nos reapropriando de nossas vidas.