Na cultura, a realidade é a percepção. As pessoas, os lugares e os acontecimentos podem ser vistos de diversas maneiras. Na vida social alguns comportamentos ganham relevo em decorrência de convergências perceptivas. Neste início de século XXI, a busca permanente por proteção diante do temor à criminalidade é uma das sensações mais comuns no mundo urbano.
As cidades estão cheias de mensagens anunciando o tempo todo que o perigo está por perto: câmeras de segurança, cercas eletrificadas, alarmes, sensores, guaritas com vigilância armada, calçadas com cães adestrados, prédios gradeados, condomínios amuralhados, ruas privatizadas e bairros privativos são alguns dos sinais que contribuem para a ampliação do estado geral de suspeição.
As mídias refletem e, em alguns casos, até aguçam a noção de que os interesses da sociedade estão reduzidos a acontecimentos policialescos, sejam delitos amadores ou crimes profissionais. A contaminação do medo propaga-se muitas vezes em gestos solidários de utilidade pública, cometidos entre amigos e familiares nas redes sociais, no intuito de aliviar tensões e de compartilhar alertas.
Nessa escalonagem defensiva, cria-se um consenso de insegurança antes mesmo da clareza do que deve realmente ser temido. Com descrença na política e desconfiança na justiça, a população fica à mercê dos interesses de grupos que se beneficiam com o mercado do pavor, tendendo a apoiar posições punitivas extremadas.
O sociólogo argentino Gabriel Kessler chama de sentimento de insegurança toda essa trama de representações, discursos, emoções e ações movidas pelo temor. O medo, enquanto emoção, transforma-se em sentimento à medida que passa a ter relação duradoura e sistêmica com o delito. “Emoção e narrativa estabelecem um vínculo de apoio mútuo: o medo sugestionado encontra argumento no relato social do perigo, contribuindo assim para a sua disseminação” (El Sentimiento de Inseguridad, p.36, Siglo Veintiuno, Buenos Aires, 2009).
No livro A Cidade no Brasil (Ed. 34, São Paulo, 2012), o ensaísta baiano Antônio Risério chama a atenção para o fato de que a violência sempre existiu nas cidades, “o que não existia era a onipresença do medo” (p.302). Para ele, a grande mudança que vivemos no momento é a militarização da vida cotidiana. Lembra que o urbanismo de proteção das primeiras cidades da história visava a defesa do coletivo contra inimigos externos. Na atualidade, realça, os muros são construídos dentro das cidades, separando vizinhos.
Kessler e Risério ressaltam o quanto a generalização social do medo torna a situação da violência ainda mais grave. A redução da expectativa de segurança orgânica da convivência comunitária, e de proteção estrutural por parte dos poderes públicos, pressiona o indivíduo a se subordinar às regras perversas de seitas e gangues em troca de algum aceno de amparo.
O receio permanente a atos agressivos está associado ao que motiva a violência, e, principalmente, à insistência rotineira das mensagens de perigo. Para Antônio Risério, do mesmo modo que em época recente a hiperinflação levou o povo a falar com intimidade de overnight, hoje, todo brasileiro é especialista em segurança. Essa inteligência adaptativa atenua as questões práticas de sobrevivência, mas é insuficiente para a construção de um sentido de destino.