Conheci o escritor José Louzeiro (1932 – 2017) em 1982, no Rio de Janeiro. Estávamos em um seminário sobre cinema e revelei para ele o quanto achava necessário que se fizesse um filme sobre o livro O Sal da Terra, de Caio Porfírio Carneiro, que eu imaginava poderia ter como trilha sonora a música Canção do Sal, de Milton Nascimento. Na minha inquietação de vinte e poucos anos, um trabalho assim contribuiria para aproximar a vida, a labuta e a luta das pessoas trabalhadoras do sertão e do litoral.
Depois de ouvir generosamente, ele me convidou para ir à sua casa a fim de conversarmos mais sobre isso. Aceitei de pronto e fui às Laranjeiras acompanhado pela amiga Namir Rosa Lagos, dançarina carioca também apaixonada por literatura e cinema. A ideia do filme não avançou, mas o Louzeiro seguiu cordialmente disponível para opinar sobre temas que eu levava para ele coberto de indignações, chegando a escrever para o Um Jornal Sem Regras, alternativo editado na década de 1980 pelo brega-star Falcão e por mim.
Quando fiz o livro-reportagem Retirantes na Apartação, novamente o Louzeiro chegou junto, agregando sua experiência e visão crítica à apresentação. Além disso, participou do lançamento que fizemos em forma de seminário sobre Jornalismo e Literatura no Brasil da Apartação, no auditório da Reitoria da UFC, com a presença dos retirantes Neto e Zulene, que viraram personagens do livro.
O acesso ao pensamento de José Louzeiro teve influência na minha compreensão do que é ser jornalista e escritor. Na época em que ele escreveu a novela televisiva Qorpo Santo, por diversas vezes me contou dos bastidores da produção e dos fatos que o inspiravam a projetar o mundo do crime como o drama social generalizado que se tornou. Esse tipo de observação era comum na fala de alguém que escreveu obras que viraram filmes como Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia e Pixote a Lei do Mais Fraco (Héctor Babenco) e O Homem da Capa Preta (Sérgio Rezende). Numa entrevista que fiz com José Wilker, o ator norte-juazeirense destacou a habilidade de Louzeiro em retratar o coronelismo urbano.
Durante o tempo em que José Louzeiro escreveu o livro Elza Soares – Cantando para não Enlouquecer, tive a oportunidade de ouvir dele relatos incríveis sobre essa experiência biográfica, inclusive nos aspectos que envolviam a figura do craque Garrincha, ídolo do futebol brasileiro. Certa vez recebi uma ligação da Elza Soares dizendo que o Louzeiro tinha passado o meu número, como o contato de alguém com quem ela poderia conversar a respeito de um sonho que teve fazendo um show em uma jangada no mar do Ceará, o que me possibilitou apreciar um pouco da mente fantasiosa dessa incomparável musa do samba.
Dos relatos de José Louzeiro tenho o do Pilão da Madrugada um dos que mais mexeram com a minha percepção de solidariedade e comunicação. No livro que fez sobre Neiva Moreira, ele conta de duas velhinhas que moravam no meio da mata e que passavam a noite batendo em um pilão, cujo som teria a função de orientar as pessoas que pudessem estar perdidas na floresta. Com esse tema compus a música Tambor da Madrugada (com Anna Torres) e, agora, mesmo com a viagem de volta do Louzeiro, no dia 29/12/2017, certamente seguirei escutando as batidas dos seus ensinamentos.