A farra da terra abundante destinada à primazia de monoculturas do agronegócio, à retirada criminosa de madeiras e à agudização devastadora da megamineração é um estigma de espoliação remanescente das práticas coloniais. Infelizmente, no Brasil ainda predominam as elites de capatazia, cujo papel inglório é facilitar a exploração do País por corporações estrangeiras em troca de privilégios individuais de desperdício e concentração de riqueza.
A despeito da sua inviolabilidade histórica, essa realidade chegou a um estágio além dos limites na ocupação intensiva do território brasileiro, no descarte populacional violento, na ampla e insensata destruição da biodiversidade, na poluição dos mananciais e na desindustrialização; tudo em nome de lucros extraordinários aferidos com gigantescas exportações de bens primários não processados e em grande escala.
Alguma coisa há de ser feita na maneira de pensar a política e o poder para reverter essa catástrofe em curso, e assim o Brasil possa ser produtivo para todos. Imaginar e construir um horizonte pós-extrativista é uma missão que exige a vontade de muita gente. E, para quem quiser uma boa síntese desse tema, recomendo o livro “As fronteiras do neoextrativismo na América Latina” (Ed. Elefante, 2019), da socióloga argentina Maristella Svampa.
Nessa obra, entre diferentes dimensões do problema, ela propõe uma reflexão a respeito de socioecologia e sobre a crise generalizada decorrente do “consenso de commodities” instalado no continente latino-americano. Aborda alguns “conceitos-horizonte” significativos para a análise crítica desse modelo de desenvolvimento adotado, inclusive, pelos “governos progressistas” na primeira década e meia deste século.
A propósito, esse conceito “progressista”, remanescente deslocado da tradição positivista em contraponto às forças conservadoras, entrou em declínio com a experiência latino-americana, na qual a ideologia do progresso desconsidera o esgotamento dos recursos naturais renováveis do planeta. E o Brasil é um grande exemplo dessa triste reprimarização da economia, com custos desastrosos resultantes do descompasso entre a inclusão social pelo consumo e a manutenção das estruturas arcaicas de poder e dominação.
Maristella Svampa questiona os pactos de governabilidade feitos entre os “progressismos” e o grande capital extrativista e, em alguns casos, financeiros. “Ainda que a pobreza extrema no Brasil tenha se reduzido e o consumo se expandido, as desigualdades persistem e inclusive aumentam ligeiramente” (p.139). Mais do que de ação conjuntural com efeitos temporários, o País necessita ser repensado em camadas evolutivas integradas e sistêmicas, porém com o olhar voltado para o fim das exacerbações neoextrativistas.
A autora sugere assertivamente que está em gestação uma nova gramática de perspectiva essencialista que, mais dia, menos dia, nos levará à despatriarcalização, à descolonização e ao decrescimento. “A linguagem ecofeminista do corpo/território, a ética do cuidado e a afirmação da interdependência” (p.165) são elementos postos por ela como fundamentais à valorização dos vínculos dos humanos entre si, e suas relações de reciprocidades ecológicas, espirituais e estéticas no aprofundamento da democracia e da ideia de que a economia deve estar subordinada à conservação da vida.