As culturas grandiosas e respeitáveis têm intenções estéticas conduzindo os seus passos. A importância de uma imagem positiva (soft power) para as relações mundiais é aspirada por todas as nações. Sem contar que a produção cultural, base relevante desse transmissor de distinção, é renovável e limpa por vir das fontes de imaginação e de sentimentos. Na contramão dessa sentença histórica, o Brasil, país continental de sofisticada sedimentação multiétnica e uma língua comum, tem destruído seu patrimônio cultural com a mesma delinquência com que devasta suas florestas.
O raciocínio predominante, filtrado por nossa operação política e econômica, trata tais fatores como se a sociedade não tivesse influência de ordem simbólica. Essa realidade fez com que o centro da criatividade brasileira pendesse para o imperativo de duas necessidades: a real, marcada por uma injustificável concentração de renda, e a induzida, caracterizada pelos estímulos ao hábito de gastar compulsivamente. Essa simbiose derivou para um alarmante individualismo de massa.
Perdidos entre discursos nostálgicos e pedantismos fanáticos, muitos dos mais desfavorecidos passaram a enxergar no auxílio emergencial recebido por conta da pandemia de Covid-19 um mimo governamental, e não uma obrigação do Estado. Ouvidos pelo Instituto Datafolha há duas semanas declararam simpatia por Jair Bolsonaro, aumentando os índices de popularidade do presidente da República. Isso fez com que fossem hostilizados por parte dos que, parando ou não para refletir sobre os seus próprios interesses, se consideram engajados politicamente.
Em uma entrevista concedida à repórter Letícia Mori, da BBC Brasil (17/08), a pesquisadora Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que trabalha com o tema do conservadorismo no país, afirma que esse tipo de acusação releva arrogância, preconceito e desconhecimento do real drama vivido pelas classes D e E. “Quando você está à beira da fome, sua vida está pautada por coisas concretas e mais de subsistência do que de estratos ideológicos”, argumenta.
O pensador alemão Friedrich Schiller (1759 – 1805) já dizia que a luta contra a privação desgasta o indivíduo a ponto de esgotá-lo para outros enfrentamentos. No livro Educação Estética (Iluminuras 2017) ele é taxativo: “O que nada lhe dá ou toma é para ele inexistente” (p. 113). O caminho para envolver quem precisa encontrar motivos para parar e refletir “precisa ser aberto pelo coração” (p. 46). Por isso, o filósofo defende a arte como meio indispensável para o desenvolvimento do sentir e do pensar, possibilitando a abertura para a própria autonomia do indivíduo e para o respeito à liberdade do ser humano e de todos os seres que dão vida ao meio ambiente.
O aprendizado do olhar, o calor da beleza, e não apenas a luz do conhecimento, é imprescindível ao balanceamento entre necessidade, razão e sensibilidade, tanto dos ricos quanto dos pobres, em suas carências de libertação do instinto de sobrevivência e competição, para que possam abraçar uma consciência política convergente, capaz de produzir e conduzir um projeto mobilizador. Levaremos tempo para isso, dado que a cultura brasileira perdeu parte significativa do seu senso de encanto e do costume de encarar a vida com esperança. Não está fácil, mas não é impossível.
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Imagem do topo: O Grito, do pintor norueguês Edvad Munch (1863 – 1914), Munch-Museet, Oslo.