No Brasil, a publicidade voltada à criança menor de 12 anos é proibida, mas muitas empresas insistem em tergiversar diante das leis, argumentando que essa restrição provoca efeitos negativos para seus negócios e, por isso, não querem abrir mão do uso da comunicação mercadológica infantil.
A desmistificação desse falso dilema pode ser conferida no relatório Os Impactos da Proibição da Publicidade Dirigida às Crianças no Brasil, estudo desenvolvido pelo Economist Intelligence Unit (EIU), divisão de pesquisas e análises do grupo inglês The Economist, sob encomenda do Instituto Alana, entidade brasileira que há mais de uma década mantém o projeto Criança e Consumo.
O relatório enfoca desde tendências internacionais da publicidade dirigida às crianças até questões éticas de empresas que tomam a criança como alvo de suas mensagens comerciais. Revela o quanto a sociedade se beneficiaria nos campos da saúde, do bem estar psicológico e emocional e econômico, caso os anúncios feitos para meninas e meninos fossem redirecionados aos adultos.
No meu livro Eu era assim – Infância, Cultura e Consumismo (Cortez, 2008) faço uma ampla exposição de como o assunto é tratado em diversos países e realço o despertar dessa triste sina: “As atenções do mercado voltaram-se para a infância, inicialmente com a intenção de fidelização de futuros consumidores, mas pela credulidade e poder de influência encontrados no alvo precoce, logo as crianças passaram a ser vistas e tratadas como categoria de consumo” (p.33).
Anos depois, no ensaio A Incorporação da Infância aos Planos de Sustentabilidade: Uma Abordagem na Perspectiva da Cidadania Empresarial, publicado no Guia Brasileiro da Produção Cultural (Sesc-SP, 2010), questiono esse modelo que levou os recursos naturais do planeta e as relações humanas à exaustão, e deduzo que “a empresa está convocada pelos tempos a se reinventar e a se reposicionar” (p.350).
Ao ler o relatório do EIU sinalizando que se o mercado deixasse as crianças em paz haveria uma redução do espírito materialista e, por conseguinte, um distanciamento da ideia de que a felicidade está nas coisas, mais uma vez me sinto impelido a reforçar em mim a crença em uma sociedade na qual as pessoas não sejam definidas pelo poder aquisitivo.
O mundo digital e em rede ampliou o acesso das crianças aos conteúdos publicitários. Considerando que o Brasil tem uma população infantil de 40 milhões de crianças (IBGE, 2016) e que mais de 80% das crianças e adolescentes brasileiros usam a internet (TIC Kids Online, 2014), torna-se muito desigual a força entre pais, educadores e o mercado no jogo do consumismo.
A solução desse problema passa pelas empresas. O estudo encomendado pelo Alana estima que o ponto de mutação esteja na saída da mentalidade imediatista para a de longo prazo. Com a transferência do alvo publicitário da criança para o adulto, ocorreria uma queda de receita no primeiro momento, mas com recuperação gradativa nos anos seguintes.
O relatório passa uma mensagem econômica positiva: “As ações no sentido de restringir a publicidade para crianças são impulsionadas por um desejo não apenas de fazer o bem, mas também de gerar rentabilidade no longo prazo e valor para a marca” (p.50). Mensagem essa que vai ao encontro do interesse das empresas que querem ser duradouras e desejadas.