O Brasil tem muitos artistas de grandes singularidades. Na música, nomes como os de Jorge Benjor, Zé Ramalho e Rita Lee significam em si linguagem única de alto valor artístico e estético. Alguns desses criadores de estilos próprios tiveram o cuidado ou a felicidade de preparar pessoas com legitimidade vivencial e qualidade artística para dar sequência às suas obras.

Dentre os que ainda estão nesse processo, dá para citar fácil dois oitentões ainda inteiros, mas com sucessores claramente definidos: Tom Zé, que tem falado publicamente do Jarbas Mariz como o músico que seguirá literalmente tocando a sua banda, e o Elomar, cujo filho, o maestro João Omar, tem assumido a interpretação “sertaneza” do violeiro seu pai.

Com o lançamento do CD “Isca – Volume 1” (Elo Music/Boitatá, 2017), concretiza-se a perenidade do legado de Itamar Assumpção (1949 – 2003), vulgo Nego Dito, Beleléu, um dos mais originais e surpreendentes compositores e cantores urbanos da Música Plural Brasileira.

A sempre nova banda Isca de Polícia, de Itamar, é também do baixista e diretor musical Paulo Lepetit, das cantoras Vange Milliet e Suzana Salles, dos guitarristas Luiz Chagas e Jean Trad, do batera Marco da Costa e do trombonista Bocato.

Esse time, que acompanhava Itamar Assumpção em discos e shows e que mantém linguagem musical cheia de pulsão contemporânea, vem fazendo lançamentos do disco ISCA, com músicas próprias e outras em parceria com compositores da mesma cepa, tais como Péricles Cavalcanti, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Ortinho, Alice Ruiz e Tom Zé.

Em reggeado, samba torto, pop funkeado, rock à stones, black music e outras experimentações sonoras, a Isca atua em uma zona intermediária, que, se fosse crítico da música brasileira, o físico italiano Carlo Rovelli diria que ela está dentro do presente estendido, aquele lugar no tempo que depende da distância que se encontra de quem a ouve e da capacidade de percepção das respostas antes das perguntas.

O Itamar fazia música brincando e brincava com música. Uma das suas criações que tanto gosto nesse sentido é “Quem é cover de quem”, da série “Bicho de 7 Cabeças”, na qual ele joga com a imagem dele e de Luís Melodia, outro desses brasileiros encantados e encantadores: “Nasceste no Rio Estácio eu em São Paulo Tietê / Os nossos passos com passos afirmam ter tudo a ver / Não só na tonalidade e também no jeitão de ser / Circula pela cidade que sou cover de você // Tu és pérola negra já desde setenta e dois / Eu inventei Beleleú só oito anos depois / Além deste pela preta coisa comum em nós dois / Ideias músicas letras não são só feijão com arroz”.

As letras inventivas, com tiradas irreverentes, cotidianas e de efeito lúdico também seguem na pauta da Isca, quase quinze anos depois da viagem de volta do seu idealizador: “Vou embora / Para não ficar por fora / Me arrebento / Pra ficar por dentro”, dizem Paulo Lepetit e Arnaldo Antunes em “Dentro Fora”. Beleza de disco, potência de som. Salve a Isca!!!