Jord Guedes e a vida que vai
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 01 de julho de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Animadores os respiros da produção de clipes no cenário da música no Ceará. Os recursos do audiovisual com suas técnicas digitais têm oxigenado o direito mútuo de oportunidade que se vai construindo entre quem faz e quem curte as nossas invencionices musicais. Estamos de mudança, seguindo o curso da “vida que vai”, como canta Jord Guedes no recém-lançado A Casa de Ontem.

O clipe de Jord oferece imagens e sons em fruição de conceitos tangentes na dialética dos contrários, presente no ato de partir. De bicicleta, pedalando como se não pedalasse, como se procurasse o acesso à própria existência, ela faz um convite à memória, sem interrupção do fluxo de quem arruma as coisas e espera o dia de sair de casa para entrar em si.

O diário, os brinquedos, as estantes, os livros e seus autores fazem parte do viver em gerúndio fértil, como na metáfora da lua grávida recorrida pela cantora para dizer que a mudança vai junto de quem muda, para nascer em outro lugar, mesmo que objetos e afetos fiquem para trás. A transição acontece no circuito das lembranças, desocupando o lugar para outras histórias: “Roteiros de quaisquer folhetins / Nada de mim”.

Gravado no sobrado de José Lourenço, no Museu da Imagem e do Som e na Casa de José de Alencar, em Fortaleza, A Casa de Ontem, que tem direção da própria cantora em parceria com o criativo Gustavo Portela, que assina também a fotografia e a edição, o clipe trata a questão da mudança pelas consequências e não pelos motivos.

Jord Guedes surge na tela com leveza e canto arejado, seguindo a rota do coração em ambiente sonoro marcado por violões de sotaque pop; sem sonoplastia, a natureza observa tudo calada. “Uma cidade / uma história”, um Crato, uma Fortaleza, tudo junto, no tempo da pessoa.

A letra reflexiva dialoga com a fotografia limpa e levemente adocicada, em uma plasticidade intersemiótica de realismo flutuante. A compositora e cantora contracena com árvores e assoalhos de madeira; madeiras vivas e mortas. As circunstâncias se movem no caminhar pelos corredores e no pedalar entre ruinas de um engenho de açúcar; “rotas retilíneas / rotas inconstantes”.

Assistindo ao clipe A Casa de Ontem lembrei-me do dia em que, dentro da dinâmica do então Fórum pelo Fortalecimento da Música Plural Brasileira, fizemos uma festa com artistas, produtores culturais, patrocinadores e jornalistas para mostrar de uma só vez diversos vídeos de músicas de autores cearenses; material que passou a ser veiculado por um bom tempo na TVCeará.

Nesse evento [leia artigo aqui], realizado no dia 26 de julho de 1999, na boate Zazueira, foram projetados em um telão clipes como o “Coca-colas e iguarias”, da cantora Kátia Freitas, com música de Valdo Aderaldo e direção de Joe Pimentel; Bárbara de Alencar, de Lily Alcalay (1957 – 2003), dirigido por Telmo Carvalho, e o meu Xote para Sêneca, cantado por Anna Torres e pelo rapper Rica Caveman, com direção de Karla Holanda e Otávio Pedro.

Mais de quinze anos depois, não estaria em tempo de reunirmos novamente a nossa produção de clipes a fim de afirmar sua densidade e ver para onde o vento está soprando? É “a vida que vai”…