Justiça e cidadania
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 05 de julho de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Ao final da palestra que fiz sobre “Justiça, comunicação, transparência e acessibilidade”, dentro do VIII Congresso Brasileiros de Assessores de Comunicação e Justiça, realizado no auditório do Centro Cultural do Parlamento Cearense, na semana passada (27/06), recebi da estudante Mayara Araújo, do curso de jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI) a cópia de um trabalho no qual ela e Jennyffer Mesquita, mestranda em comunicação, na mesma universidade, apresentam um estudo sobre “A Judicialização nas redes sociais: O CNJ debatido no Twitter”, apresentado no Seminário Internacional de Pesquisa em Economia Política do Jornalismo, realizado em Teresina nos dias 30 e 31 de Maio deste ano.
Achei simpático e certeiro ela me dizer que o ponto em comum entre a minha fala e aquele estudo era a defesa da legitimidade do Judiciário. Entendo que essa é uma causa de toda a sociedade, considerando que a Justiça é, antes de tudo, um sentimento de reconhecimento e de respeito pelo outro como igual na sua diferença. Li com atenção a análise que elas fizeram do comportamento dos usuários dos serviços da empresa de relacionamentos Twitter, com foco na imagem da atuação do Judiciário, durante a tentativa de alguns segmentos da magistratura de, no início do ano, calar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocasião em que escrevi o artigo “A reputação da Justiça” (DN, 09/02/2012).
Elas partiram do fato de que “a imprensa brasileira vem expondo à sociedade uma grande quantidade de faltas administrativas cometidas, principalmente por magistrados na prática da atividade judicante”. O estudo de Mayara e Jennyffer chama a atenção para a influência direta da cobertura jornalística na atuação dos “tweetteiros”, em um assunto que no período monitorado alcançou o topo dos mais comentados. E a dedução dessa investigação é que é possível notar o descrédito e a incredulidade com os quais o Judiciário é tratado pelo perfil.
A declaração da ministra Eliana Calmon, da Corregedoria Nacional de Justiça, de que “bandidos atrás da toga” estão infiltrados na magistratura comprometendo a atividade para a qual o Poder Judiciário foi institucionalizado, e a apertada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em favor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tornaram-se pontos relevantes na pauta da mídia, repercutindo de modo especial nas chamadas redes sociais. “Nesta perspectiva, o Twitter foi capaz de proporcionar um espaço de discussão descentralizado, fomentando debates frente aos desmandos de magistrados”, atesta o trabalho.
Mayara observou bem a minha preocupação com a legitimidade do Poder Judiciário. Meus argumentos nessa questão de justiça e cidadania estão sempre voltados para o grande desafio de evitarmos as debilidades do bom-senso e de mantermos a perspectiva da noção de justiça, a despeito das inúmeras variáveis de agravamento do problema, repudiadas pela sociedade diante das denúncias de escândalos envolvendo comportamentos desviantes de magistrados, tais como vendas de sentenças, ganhos exorbitantes nem sempre justificados, movimentações financeiras fraudulentas e o corporativismo de juízes em torno de regalias excessivas, sem contar com os efeitos negativos da morosidade, muitas vezes percebidos como favoráveis à impunidade.
O Judiciário é um pilar republicano que, por meio da prestação jurisdicional, dá sustentação ao Estado Democrático de Direito. Por sua natureza, orientada à decisão discricionária de destinos, tornou-se um poder fechado, no sentido habermasiano de excluso da esfera pública. Vive o conflito de, mesmo sendo tão fundamental à cidadania, não ser um poder representativo, já que não tem bases nem é eleito. A resposta a essa situação pode estar no reforço à legitimidade, por meio do cumprimento das normas éticas e de conduta da magistratura e do respeito à expectativa da realização institucional da justiça e dos direitos.
A finalidade do direito é a justiça e o direito é uma invenção humana. As leis resultam de lutas sociais e expressam a conveniência dos grupos sociais mais fortes a cada tempo. Muitas vezes são criadas a partir de pressões de determinados segmentos, e encaminhadas sem uma devida observação do seu sentido para o todo, a exemplo da polêmica criminalização do bullying e do desequilíbrio de proporcionalidade entre casos imprescritíveis, como o racismo, e outros que prescrevem com o tempo, como os homicídios, presentes no debate sobre um novo Código Civil brasileiro.
O papel do Poder Judiciário aumenta com o novo modelo de sociabilidade em fase de configuração no Brasil. A diversidade de grupos de interesses em movimento de expansão, em busca de participar da gestão social, e não, necessariamente de assumi-la, põe em evidência as vulnerabilidades do contrato social e da segurança jurídica e, nessa conjuntura, o Judiciário assume a responsabilidade de cuidar da percepção de justiça, refletida na tolerância e intolerância, no consentimento e na intransigência social. Nessa circunstância, a comunicação clara e confiável, relativa ao que faz e ao que não faz o Judiciário, é uma medida significativa para a legitimidade.
Ao refletir sobre “Justiça, comunicação, transparência e acessibilidade” reforcei em mim a percepção da necessidade de melhor preparação de magistrados e seus assessores de comunicação diante dos efeitos positivos e negativos da visibilidade que vem sendo dada ao Judiciário. É urgente a intensificação da presença positiva desse poder na mídia, mantendo um ritmo de exposição que exponha os “bandidos atrás da toga”, como disse a ministra, e preserve a autoridade dos magistrados honestos e a integridade da Justiça. Nesse sentido, tem sido um avanço a existência de programas de rádio e televisão focados nos temas da Justiça, inclusive com transmissão ao vivo de sessões.
O desafio de uma comunicação para trabalhar o senso de justiça percebido e a confiança da sociedade no Poder Judiciário, como instrumento indispensável à garantia do exercício pleno das liberdades civis e da equidade social, sugere um compartilhamento entre os órgãos do judiciário, com o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, as defensorias, enfim, de todos os envolvidos diretamente na ambiência do direito e da justiça, como facilitadores do entendimento das decisões judiciais e das iniciativas que promovem a reflexão sobre os valores da justiça, numa perspectiva cidadã, contribuindo assim para o desenvolvimento da consciência de direitos, deveres e valores.
O atributo da transparência é crítico no universo da justiça. Mas não deve deixar de ser enfrentado como parâmetro de fortalecimento da legitimidade. O simples fato de, por exemplo, tornar públicas as fontes e as destinações de recursos de gestão, a austeridade dos gastos e a objetividade dos investimentos, já é um bom indício. O ideal mesmo seria que fossem tornadas públicas as situações que ferem o princípio constitucional da impessoalidade, da moralidade e da publicidade. Algo como um aviso aos corruptores que ofertas de favores e contribuições para eventos e viagens de lazer, apoios financeiros para festas de entidades da Justiça e caronas para viagens de magistrados, não são explicitamente bem-vindas.
Quanto ao tema do acesso à informação, agora tratado em lei que entrou em vigor no dia 09/05/2012, o Poder Judiciário precisar ser exemplo na montagem de plataformas físicas e virtuais para o funcionamento dos Serviços de Informações ao Cidadão (SIC), ampliando a disponibilização de informações com andamentos processuais, atos judiciais e administrativos, dados orçamentários e desempenho operacional, mas hipóteses de sentido e não apenas publicando tudo para que não se ache nada, na indesejável tática de informar ocultando. Por esses ou outros caminhos, que seja feita algo para que a necessária abertura do Judiciário não lhe tire a legitimidade.