Guardarei a história do ano de 2018 como a mais significativa da minha trajetória de torcedor do Ceará Sporting Club. No início do ano, juntamente com os meus filhos Lucas e Artur, fizemos uma música comemorativa do retorno do Vozão à Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol, composição que foi gravada pelo cantor Marcos Lessa, com arranjo e direção de Tarcísio Sardinha e Adelson Viana, unindo o percutir dos tambores de Denilson Lopes à harmonia da sanfona de Adelson, e que virou clipe com imagens do fotógrafo Marcos Vieira e minhas. Todos apaixonados pelo Mais Querido.
Nos versos da canção, que intitulamos Batuque Alvinegro, em alusão ao preto e ao branco das camisas do time que faz pulsar os nossos corações, deixamos clara a afirmação da nossa cumplicidade como torcedores: “Eu e você, Ceará / Vamos ganhar”, vinculando esse sentimento de conquista ao trecho do hino do clube que diz: “É o Vovô / Ceará vai ganhar”, e aproximando a paixão de dois grandes intérpretes alvinegros, José Jatahy (1910 – 1983) e Marcos Lessa. O canto em preto e branco realça, a um só tempo, o duplo movimento de ser a ausência e a soma de todas as cores.
Quando tudo estava preparado para ser disponibilizado nas plataformas de streaming, o Ceará encontrava-se em uma situação deplorável no campeonato, estacionado na lanterna da competição, abatido pela tensão da impotência e da pressão psicológica, e com doze partidas consecutivas sem vencer, cerca de um terço de todo o campeonato. O clima era dramático e anunciava uma descida vertiginosa para a segunda divisão. Lembramo-nos de uma máxima utilizada pela torcida do Peñarol, aurinegro uruguaio: “A paixão nunca perde”, e transformamos o caráter comemorativo do batuque em música motivacional, partindo para o ataque contra o pessimismo instalado pelas circunstâncias.
Com a chegada do irreverente e disruptivo técnico Lisca, o time entrou em fase de recuperação. A torcida bradou: “Saiu do hospício, tem que respeitar, Lisca Doido é Ceará”. E no meio dessa fervura nós seguimos replicando o Batuque Alvinegro em uma expectativa matemática de reversão. Com estilo envolvente, simplicidade, competência técnica, arrojo tático e estratégico, o treinador conseguiu a entrega coletiva do grupo, com destaque especial para Éverson, Luiz Otávio, Tiago Alves, Samuel Xavier, Felipe Jonatan, Richardson, Edinho, Juninho Quixadá, Ricardinho, Wescley, Arthur e Leandro Carvalho. E o Ceará, que assegurou a permanência na Primeira Divisão com uma rodada de antecedência, fez sua partida-festa domingo (2), na arena Castelão lotadíssima, num empate com o Vasco.
Confirmada a continuidade do Vozão na Série A, a nossa música voltou ao seu propósito original comemorativo. Essa experiência de ter insistido no compartilhamento da mensagem positiva do Batuque Alvinegro, mesmo quando a perspectiva do Ceará no Brasileirão era desalentadora, reforçou em mim o sentimento de que torcer é antes de tudo um gesto de doação ao time preferido. Acreditar, ir para cima com garra e emoção transcende o resultado das partidas, por ser uma dádiva catártica, social e existencial, na qual o torcedor se permite sentir a força do desejo de êxito, mesmo quando tudo é desencorajador, mas não impossível. Funcionou, deu certo, e Lisca Doido é festa nos corações alvinegros.