Lula humaniza o poder no G20
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 09 de Abril de 2009 – Fortaleza, Ceará, Brasil
A reunião dos países que juntos somam cerca de 80% da economia mundial, o G20, não tem naturalmente o propósito de tomar medidas radicais de inversão do modelo econômico. Nem por isso esse conclave internacional deve ser olhado com desprezo pelos que defendem a construção de uma nova ordem mais equânime em um mundo multipolar. Querendo ou não a qualidade dessa construção depende da contribuição de todos os agentes que compõem as forças da economia.
Enquanto as vulgatas do neoliberalismo exultavam o pensamento único, com lemas do tipo fim da história, Estado de corporações, poder redentor das tecnologias da informação e o achatamento global da mão-de-obra barata, a história ironicamente tomava outra direção com a formação do socialismo de mercado chinês, do capitalismo de Estado russo e das experiências de governos populares integracionistas latinoamericanas. O deslocamento do poder econômico para o oriente e para o sul e a competição pelo que resta dos recursos naturais do planeta, implicam em convergências forçadas.
Ninguém tem uma estratégia coerente para a superação das crises que afetam o equilíbrio dinâmico da natureza e da vida social. A falta de perspectiva histórica deixa um vazio amedrontador. Por mais atônitos que estejam, todos querem um diálogo global coordenado e civilizado. Esse querer transpareceu na reunião do G20, ocorrida em Londres no dia 2 deste mês de abril, que considero um encontro bem-sucedido, não por ter dado respostas enfáticas à cobiça, mas pelo ânimo em favor de uma descoberta da instância comum das nações.
No estica e puxa da geopolítica mundial não é segredo o fato de todos quererem encontrar a solução, de forma que os outros contribuam mais. O Brasil aparece nessa confusão toda falando de consensos entre blocos regionais e dizendo que o problema não é só econômico. Mais que isso, a mensagem do Brasil, estampada na bandeira da simplicidade com que o presidente Lula trata questões tão complexas é a de humanizar o poder, e isso é o que há de novo nesse cenário. Uma novidade que não se resume a otimismo ou pessimismo, mas à necessidade de traçar rumos de salvação da espécie e do planeta como um todo.
É impressionante como Lula representa simultaneamente o parceiro desejável dos países economicamente mais ricos e dos mais pobres no pós-neoliberalismo. As origens dessa atração tão elástica podem ser lidas, por um lado, como alívio diante da grandeza da vítima não raivosa, que fala em solidariedade ao invés de vingança, e, por outro lado, como expressão de cumplicidade, na luta pelas desigualdades. Pode também estar em planos mais profundos, por onde transita o inconsciente coletivo e os instintos humanos de paz. Afinal, temos antepassados comuns, que lutaram lado a lado na batalha da seleção natural.
O carisma de Lula e sua habilidade política na condução do Brasil diante dos atávicos problemas internos e das graves questões externas, postas por um mundo em transformação, poderão levá-lo a ser contemplado com um Prêmio Nobel da Paz. Como disse o presidente estadunidense Barack Obama na reunião do G20, ele “é o cara, o político mais popular do planeta”. Essa simpatia não parece falsa, nem cinismo. Obama deve ficar sem entender muito bem a lógica do Brasil, mas a impressão que dá é que ele confia nos propósitos do presidente brasileiro. E, para completar, Lula retribui a gentileza dizendo que Obama “tem cara de brasileiro”. Essa troca de simpatias pode ajudar no processo de desenvolvimento de uma nova relação do Brasil com os Estados Unidos, em parâmetros mais “amigáveis”.
A participação do Brasil nesse tipo de fórum vai além da economia, pois tem um forte viés de caráter civilizatório, embora um tanto exótico para os que são viciados em modelos prontos de cima para baixo. Essa postura um tanto indecifrável deixa os líderes políticos das velhas potências com uma certa vontade de paparicar o presidente brasileiro. Não faz mal. E Lula está lá, na foto oficial do encontro, bem ao centro, sentado ao lado da rainha Elizabeth 2ª, do Reino Unido, tendo logo atrás o presidente Obama. Talvez o primeiro ministro britânico Gordon Brown, anfitrião do encontro, tenha dado uma pista para essa localização tão privilegiada de Lula na foto: “Ele é o porta-voz dos países pobres do mundo”. Quer dizer, Lula tem sobre si também a responsabilidade de honrar os ausentes da seleção econômica.
Obama (EUA), Brown (Inglaterra), Sarcozy (França), Merkel (Alemanha), Harper (Canadá), Balkenende (Holanda) e Berlusconi (Itália) sabem que quando Lula diz que a crise foi gerada por brancos de olhos azuis está dizendo que não faz mais sentido a histórica acusação de que os povos do Hemisfério Sul não conseguem se governar. É neste aspecto que interpreto como vitoriosa a reunião do G20. Esta é uma reunião que deve ser medida pelos seus avanços culturais e não pelos vários pontos que foram abordados no plano econômico e financeiro. Foi nela que Obama advertiu seu próprio povo e o mundo que não se deve mais apostar no consumo inconseqüente dos estadunidenses.
O mais importante nisso tudo não é, portanto, o suposto U$ 1,1 trilhão a ser destinado ao restabelecimento do crédito para voltar a fazer girar a economia mundial; nem a hipótese de que os especuladores agora ficarão bonzinhos e passarão a ter consciência socioambiental; ou que os segredos bancários dos paraísos fiscais serão abertos ou não. As conclusões do evento são relevantes, mas seu principal resultado é a impressão que dá de uma busca de sentido de destino. Podem até não saber o que estão fazendo, mas pelo menos sabem que precisam fazer alguma coisa diferente do que têm feito até agora.
O fenômeno está na humanização das relações em um palco de conflitos. A lição cultural do Brasil para a comunidade global aparece em atitudes como a que levou o presidente Lula a anunciar que estamos dispostos a conceder empréstimo ao FMI, caso seja em um montante que não ameace as reservas do País e que seja para contribuir com o desenvolvimento dos países pobres. Este é um ponto de demonstração prática de solidariedade que desnorteia os líderes das economias avançadas. A leitura dessa oferta poderia ser mais ou menos assim: “eu não tenho tanto quanto vocês, mas posso dividir o pouco que tenho”.
A sinalização para a cooperação e para o diálogo enriquece muito mais o mundo do que os recursos destinados a tirar o sistema financeiro do sufoco. A postura de Lula vale mais do que o dinheiro que o Brasil pode emprestar ao Fundo Monetário Internacional. O que precisa ser observado, mesmo por quem não acredita nas soluções econômicas que sairão do G20, é que a natureza das influências começa a mudar. Primeiro, e nisso o Brasil teve grande influência, já não é mais apenas o G7 que está se reservando o direito de tomar isoladamente as decisões-chave da economia mundial, e, segundo, valores, que não só os econômicos, começam a ser considerados nesses encontros de cúpula.
O certo é que os tempos são outros e nesses tempos o Brasil vai se tornando cada vez mais importante, não só regionalmente e por ter mercado e natureza abundantes, mas globalmente, por sua controvertida e sofisticada tecnologia social verdadeiramente mestiça e futurista; com pluralidade e diversidade cultural integrada e inventiva, modelo democrático empírico e soluções econômicas geradas, em grande parte das vezes, na necessidade de ser criativo para superar problemas básicos.