Às vezes a gente compra um livro só pelo título. Foi o que aconteceu comigo quando comprei “O caráter contagioso da mediocridade” (AGE, Porto Alegre, 2006), de Antonio Pires. As coisas andam tão niveladas por baixo no Brasil que esse assunto chamou a minha atenção. Confesso que fiquei decepcionado com o conteúdo, até porque o próprio autor revela-se medíocre em boa parte de seus argumentos, o que, de certo modo, dá autenticidade ao livro.
A ideia de refletir sobre o tema é muito boa. Diante da “mediocridade reinante”, como atesta o autor, talvez valha a pena até mesmo um exercício para identificar o quanto estamos contaminados ou quem são as pessoas que podem nos transmitir o germe da vulgaridade em nossas relações cotidianas por onde andamos e a quem damos atenção nos mundos econômicos, políticos, das artes e da intelectualidade.
Como tudo no mundo tem seu lado a ser considerado, recortei alguns trechos distintivos de mediocridade mencionados por ele e que despertam reflexão:
O medíocre pedante – Vaidoso, cheio de afetação ao falar, aprecia fazer-se presente em solenidades, é leitor-visual de revistas ricas em fotos e pobres em textos, gosta dos corredores e gabinetes oficiais e delicia-se cultuando ninharia.
O medíocre ilustrado – Lê tudo quanto lhe vem à mão, sem base e sem método. Pavoneia-se desfilando citações e invocando fatos históricos. Embriaga-se com pirotecnias verbais e eleva a dogma certos lugares comuns. Ostenta o deslumbramento imbecil.
O medíocre crítico – Se considera especialista. Acha que o Brasil andaria melhor se não houvesse política de qualquer espécie. Clama contra os abusos dos governantes e empresários, ao mesmo tempo em que seria feliz cometendo-os em benefício próprio.
O medíocre rico-pobre – Não tem sensibilidade, não tem alcance, só tem dinheiro. Pede no restaurante o vinho mais caro e trata o garçom com desdém. Senta com as pernas abertas. Manda o filho pra Disney e nunca foi a uma reunião na escola. Dirige um Audi e joga lixo pela janela.
O medíocre silencioso – Admira sem compreender. Não pensa além do rotineiro.
Dos estágios mentais relacionados pelo autor como associados à indigência social, realço o da Boçalidade como o mais autêntico em termos de mediocridade. Para ele, “comumente, a ignorância, a asneirice e a mediocridade fundem-se numa mesma realidade, num só estado de espírito-intelecto. É a sinonímia trágica tendo como resultado a boçalidade” (p.40). Pires apresenta um apanhado de atitudes e de posturas presentes nas Leis da Mediocridade, dentre outras revelações.
Fora isso, não tem mais muito o que espremer das páginas desse livro. O autor não consegue, por exemplo, separar mediocridade dos efeitos da precariedade educacional do país. Quando relata situações em que faz “pegadinhas” para identificar nas pessoas o que caracteriza como mediocridade, é invariavelmente uma lástima. E quando procura se distinguir, então, é de doer. Em uma de suas “pesquisas” sobre capacidade de discernimento, ele pergunta ao caixa de uma loja se “aceita pagamento em dinheiro falso, em cheque sem fundos ou em cartão de crédito vencido”, e se pabula por ter recebido respostas como “do senhor a gente aceita qualquer dos três” (p.26).
Ao ler esse livro, lembrei-me de “Ah, uma jaula!” (Falcão / Tarcísio Matos / Flávio Paiva), música satírica que fizemos no tempo do Cruzeiro Novo: “(…) Quando você chega e me olha / Com olhos de guaxinim / Como se tivesse chegado de Cafarnaum / Quando você chega e me diz / Que quase não deu pra passar (…) Eu sinto na pele o desgosto / De Anísio Teixeira / Cunhado feito um abestado / Na cédula de CR$ 1.000,00”… Ah, uma jaula!!!