A humanidade somente superará a crise sistêmica atual se criar uma nova simbolização de sociedade. Essa é a crença dos opositores do crescimento que propõem a troca das promessas de abundância pela possibilidade de viver bem com o necessário. O princípio para essa transformação está ancorado na conciliação da justiça social com as questões ambientais, na contenção dos poderes da economia e no aproveitamento do que ainda resta de etos comunitário e de seus modos de vida.
Em seu livro “A simplicidade voluntária contra o mito da abundância” (Loyola, 2013), o cientista político e ensaísta francês Paul Ariès propõe a bandeira de “menos bens e mais vínculos” (p. 139) como forma de parar com a usina neoliberal de esgotamento dos recursos do planeta, de embrutecimento da população, de violação da consciência pela interferência na lógica do desejo, de homogeneização servil e de produção de desigualdades sociais.
A gravidade e a urgência da situação, segundo ele, requerem “a convergência dos antiprodutivistas de esquerda e dos ecologistas antiliberais” (p. 145), a fim de conectar a política com o sentido de limites em um mundo dominado pelo hipercapitalismo. São muitos os riscos que a humanidade corre frente à ganância dos que querem se apossar da vida das pessoas, como vêm se apossando das sementes agrícolas, para assegurar os privilégios da concentração da renda e da riqueza mundiais.
Vivemos um grande impasse civilizatório com a decadência do que antes foi chamado de progresso. Paul Ariès ressalta como fonte dessa tragédia o estímulo à adoção pelas classes populares do estilo de vida capitalista, endossado pela pedagogização das esquerdas que não se preocuparam devidamente em compreender a memória social e individual das pessoas de vida mais simples. “A luta de classes não ocorreu no século XX (…) Nunca houve confronto entre os modos de vida capitalista e socialista” (p. 105), e isso teria gerado a dificuldade que se tem hoje de migrar para um outro imaginário, pensamentos e conceitos próprios para um mundo diferente.
Lembra o autor que desde 1968 o aumento do poder aquisitivo, e não a consciência de viver com o suficiente, está na pauta dita revolucionária, o que tornou a esquerda produtivista cúmplice do sistema de consumo. “O poder de compra não pode progredir indefinidamente sem depredar o planeta (…) A majoração do poder de compra coincide com a padronização dos produtos, com a destruição das paisagens, com o empobrecimento da diversidade genética e cultural” e com uma equivocada interpretação do drama da juventude. Por exemplo: “Os jovens dos subúrbios, tidos como não integrados, sofrem, na realidade, de demasiada integração às normas dominantes de comportamento e de sucesso” (p. 135).
Considerando que não se pode consumir toda a capacidade de carga do planeta é preciso urgentemente definir e priorizar os bens e serviços que devem ser assegurados gratuitamente a todos, em uma ideia de igualdade descolada das diferenças biológicas, físicas e intelectuais. “Esquecemos que a igualdade não é um fato, mas um ideal” (p. 153), um desejo que está acima das diferenças. “É precisamente porque somos desiguais de fato que escolhemos nos identificar como iguais em direito” (p.34), sem esquecer de colocar a simplicidade a serviço da dimensão política do ser pessoa.