Lançada nesses dias de quarentena covidiana, a série Arremesso final (ESPN/Netflix) conta com maestria os lances espetaculares que fizeram de Michael Jordan, 57, a mais brilhante das estrelas da NBA, a liga de basquete norte-americana que é a maior do mundo. Muitos motivos me levaram a ver todos os dez episódios desse envolvente documentário recheado de entrevistas, depoimentos, conversas de vestiário e bastidores em torno da lenda.
Embora tendo Jordan como catalisador da narrativa, o diretor Jason Hehir, 44, dá realces especiais a todos os que foram determinantes para a existência e projeção desse atleta de carreira espetacular, construída por muitas vitórias e muitas conquistas dentro e fora das quadras. Os dois tricampeonatos do Chicago Bulls (1991-92-93 e 1996-97-98) são exemplos contundentes da junção de forças complementares e do respeito às distintas personalidades formadoras de um time vencedor.
É emocionante ver o ala Scottie Pippen, 54, contando serenamente como teve que driblar o destino de uma vida desafortunada, em uma família de doze irmãos, um deles fisicamente inválido, como o pai, tornando-se um dos mais admirados gênios do basquete. A história de Dennis Rodman, 59, a fera do rebote, também impressiona pela combinação que faz entre o espírito desgarrado e o espírito de equipe. São muito bem assistidas essas e outras atraentes biografias entre uma enterrada e outra do enredo.
Michael Jordan, afrodescendente da Carolina do Norte, cujo pai era eletricista e a mãe bancária, tinha como filosofia de vida o amor aos pais, ao esporte e à vitória. Aliás, a série mostra o quanto o assassinato do seu pai, em 1993, durante um assalto em rodovia federal, abalou a relação de Jordan com o basquete. O intervalo de dois anos sem título do Bulls foi reflexo direto do tempo em que o ídolo norte-americano largou tudo e foi jogar beisebol.
Quando retornou, na temporada 1995-96, sentiu novamente a ausência do pai, principalmente porque o jogo do quarto título foi vencido no dia dos pais. É comovente a cena de Michel Jordan chorando e se batendo no chão como uma criança desamparada porque seu pai não estava ali para vê-lo vencer mais uma vez. Por quase uma década, desde 1984, quando Jordan ainda aspirava um lugar na NBA, iniciando no então inexpressivo Chicago Bulls, ele contou com a presença cúmplice dos pais em sua trajetória.
O documentário mostra a tremenda capacidade de Jordan de compreender o papel de número um em uma equipe que conquistou lugar de destaque no pódio do basquete mundial. Embora dominado por uma competitividade compulsiva, ele tinha consciência de que o seu esplendor dependia da grandeza de um time com atletas de grande valor em suas posições. Comportamento semelhante ele cultivava também com jogadores das franquias rivais. Sabia que para ser o melhor de todos os tempos precisava vencer adversários excepcionais.
Para Michael Jordan não existia lance perdido, ele dava o sangue por qualquer jogada. Cada instante era um instante de cesta, de definição. Honrava o suor, encarava as frustrações e sabia ganhar como recompensa ao seu empenho, ao empenho do time, da organização, dos patrocinadores e, sobretudo, dos torcedores. Parafraseando o grito de guerra do grupo antes de entrar em quadra: Que horas são? Hora de ver Arremesso final!