MUNDO VIRTUAL – Infância e redes sociais
Artigo publicado na RIVISTA do MINO nº 157 (Editora Riso), págs. 20 e 21
Edição de abril de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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A agregação da linguagem digital e da dinâmica das redes de virtualidade em nossas vidas alteraram naturalmente os papeis tradicionais, criando, com isso, novas referências relativas ao desenvolvimento do caráter, do sentido de responsabilidade e da vontade de viver em sociedade.

Multiplicaram-se os lugares de mediação de informações, saberes e conhecimentos e nessa teia de formadores e deformadores, com mensagens de todo jeito e de todos os lados, fica muito difícil identificar o que realmente a criança escuta e o que escuta a criança.

A questão não é de combate aos meios, mas de refinamento do exercício da alteridade, da nossa capacidade de ver o outro a partir do que ele deseja e necessita. Nesse contexto, cabe destaque a figura da criança, como pessoa igual em direitos, mas diferente no jeito de se relacionar com o mundo.

Começa que na sociedade de consumo, meninas e meninos voltaram a ser tratados medievalmente como adultos pequenos, para poderem ser alvos comuns da comunicação mercadológica. Some-se a isso o discurso radical da autossuficiência, que confunde emancipação com abandono no esforço de livrar as crianças da autoridade dos pais e de submetê-las ao poder das mídias comerciais.

O desafio das famílias e das demais comunidades educativas é como reaproximar crianças e adultos, para, cada qual em sua experiência, poder usufruir das possibilidades afirmativas dos mundos sociais físico e virtual, de forma menos especializada, menos etiquetada, mais instintiva, mais aberta e mais fecunda.

Para tanto, faz-se necessário que se encontrem maneiras de evitar que o acesso às redes sociais virtuais impeça a vivência nas redes sociais físicas. E o primeiro passo para o estabelecimento de vínculos afetivos estáveis é deixar a criança livre das telas (computador, tablet, televisão etc) que a deixam apegadas, pelo menos até os dois anos.

Os objetos mudam e com eles mudam os significados de uso. Os equipamentos digitais, associados aos ambientes das redes, tendem a mover as pessoas à busca intensa de se mostrarem como gostariam que os outros a vissem. Instala-se, então, uma espécie de autoritarismo da liberdade, propício à corrupção do afeto.

O risco da perturbação do “eu” no espelho quebrado das páginas das redes sociais nasce com a classificação da criança como ser natural do mundo online e digital. Esse rótulo força a restrição da expectativa de destino da infância ao mundo social virtual e reduz o interesse de meninas e meninos pela dinâmica mais lenta do mundo físico.

O gap ainda existente entre os dois mundos contribui para embaralhar referências éticas, estéticas e morais, cabendo aos pais, cuidadores e educadores, sejam quais forem suas configurações familiares, escolares e comunitárias, evitar idealizações simplesmente favoráveis ou desfavoráveis ao uso dos espaços comercializados pelas empresas de serviços de relacionamento.

Quando a decisão pelo acesso da criança às redes sociais ocorre em um processo dialógico tudo fica mais fácil. Ademais, o exercício do consentimento mútuo é um bom antídoto à predominância da pressão isolante de grupos e ao uso desses instrumentos de oportunidade de buscas e de aprendizado social apenas como válvula de escape.

Todas as linguagens são aprendidas na prática e o melhor que se pode oferecer a uma criança para que ela tenha discernimento ao participar das redes sociais é a oportunidade de convivência fora delas. Os códigos dos teclados e das telas precisam de um vocabulário cultural concreto que dê sustentação à participação da criança nas praças e salas virtuais.