Sentados em puffs e no chão, 27 artistas de Pernambuco preenchiam em semicírculo todo o espaço do palco do Itaú Cultural, domingo passado, 10, em São Paulo. Em mãos, dois violões, e na boca de cena, dois pedestais com microfones. Nada mais. Estava preparado o último de quatro espetáculos da mostra “Reverbo” de música autoral pernambucana.
Na plateia, a expectativa do que iria acontecer com aquele show de voz e violão, tendo tanta gente para cantar. Mas tudo foi acontecendo lindamente com cada artista interpretando uma só música, contando com a retaguarda de coro e palmas dos demais, com um público variando entre reflexivo e efusivo.
O conceito do projeto “Reverbo”, iniciativa do casal Mery Lemos e Juliano Holanda, ela produtora e ele cantautor, é o de música que valoriza o verbo, a palavra em ação, o dizer algo que possa expressar as particularidades de cada artista em sua poética existencial revestida pelo caráter coletivo das relações em estado de alteridade.
A potência desse espetáculo está na qualidade verbal, sonora e emotiva das inquietações afloradas nas riquezas interiores e subjetivas que se abraçam no que os processos criativos têm de marcas comuns no presente. Essa dinâmica de convergências permite ao outro que se abra e se situe no campo da condição humana voltado para a diversidade.
Juliano Holanda conduz o roteiro que aproxima as propostas artísticas de Agda Moura, Álefe Passarim, Almério, Camila Yasmine, Flaira Ferro, Gean Ramos, Helton Moura, Igor de Carvalho, Isabela Moraes, Joana Terra, João Elzé, Juliano Holanda, Jr. Black, Larissa Lisboa, Lucas Torres, Marcello Rangel, Martins, Mayara Pera, Mayra Clara, Mazuli, PC Silva, Rogéria Dera, Revoredo, Sam Silva, Tonfil, Una Martins e Vinícius Barros. Gabi da Pele Preta e Luiza Fittipaldi não puderam participar.
No palco não tem ninguém esperando a vez para cantar. A voz de um é a voz do todo, independentemente de quem esteja com o microfone ou com o violão. Além do acolhimento e do respeito entre os participantes, o que distingue bem o sentido do projeto “Reverbo”, e que o coletivo passa para o público como ponto vital da experiência, é o seu pacto de cumplicidades. Estar aberto ao trabalho do outro, e todos ao trabalho de cada um, reflete com clareza a confluência de experiências e descobertas que vem ocorrendo desde 2018 em Pernambuco.
Tratando-se de uma mostra, mesmo significativa, não convém ao público pensar que isso é tudo o que se passa na música de Pernambuco, nem essa certamente é a intenção dos organizadores. O importante é sentir o convite feito pelo “Reverbo” para o despertar de outras formas de circulação e de fruição musical nesse descortinar de horizontes em abundância criativa, por parte de quem sabe que em tempo parado só existe vento se houver agitação.
O “Reverbo” faz contraponto ao comportamento do ‘cada um por si’, tão forte nos tempos atuais. A cultura agregadora desse projeto é necessária também para destravar os registros de dependência dos modelos de sucesso forjados pela velha indústria fonográfica. E o fato de a maioria dos artistas integrantes desse coletivo ser do interior contribui fortemente para inverter a ultrapassada lógica da ‘interiorização da cultura’.
A mensagem síntese desse show de música plural pernambucana foi passada ao final por Almério, em versos que perguntam “Por que você gira essa roda sem eixo? (…) O que você está fazendo da vida?”.