No bumbar do Papete
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 18 de novembro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O percussionista, compositor e intérprete maranhense José de Ribamar Viana (Papete) está entre os maiores pesquisadores da música brasileira. Com o lançamento do álbum Os Senhores Cantadores, Amos e Poetas do Bumba Meu Boi do Maranhão (2015) ele cumpre a extraordinária missão de registrar e divulgar a vida e o pensamento de algumas das maiores referências do mundo brincante brasileiro.

A obra desses expoentes da cultura ele já tinha documentado e difundido há mais de quatro décadas, quando integrante da equipe do pesquisador paulista Marcus Pereira (1930 – 1981) no mapeamento de ritmos, melodias e temáticas da música popular do Centro Oeste e do Norte. Foi nessa época que Papete lançou o antológico Bandeira de Aço (1978), disco que deu visibilidade nacional aos cantares da sua terra natal.

Entre o tempo em que revelou de forma marcante a obra dos artistas orgânicos maranhenses e agora, quando mostra a fala e a imagem desses fazedores de arte natural, Papete tocou e gravou com grandes nomes da música internacional, tais como Edu Lobo, Geraldo Vandré, Luiz Gonzaga, Lupicínio Rodrigues, Chico Buarque, Tom Jobim, Almir Sater, Ornella Vanoni, Sarah Vaughan e Sadao Watanabe. Somente com Toquinho fez mais de mil apresentações pelo mundo.

Como instrumentista, Papete foi eleito várias vezes o melhor percussionista brasileiro pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e premiado como um dos três melhores do mundo pela revista norte-americana Dow Beat. Conquistou tudo que um grande músico merece, mas nunca deixou de lado a missão que tomou para si de multiplicador da cosmogonia sonora do Maranhão. Tanto que metade das suas mais de duas dezenas de discos está dedicada aos sons, ritmos e melodias maranhenses.

Cantadores da praia, do interior e da cidade enfrentam contrários cantando à lua, às estrelas, ao amor, à natureza, à alegria, à beleza, às lutas sociais e à fé, em sugestivos nomes como Sabiá, Tetéu, Chiador e Apolônio Melônio. A toada Boi de Lágrimas (Raimundo Macarra) reúne em um só canto e lugar várias dessas referências: Sabiá já mostrou seu canto / Enfrentou cantor do Boi da Pindoba (…) Chiador, levantou Maioba / Chão tremeu, quem fez? / Foi Maracanã (…) Zé de França Pereira viu / Esse boi tão pequeno chegar”…

Zé de França Pereira é o Godão, e o boi tão pequeno, o Boizinho Barrica. Assim, entre maracás, matracas e pandeirões, os brincantes fazem elevações de mão e de corpo todo, em bois de couro bordado sobre armação de buriti. Bois que urram, que abalam batalhão, com bandeiras, máscaras e chapéus decorados com penas, lantejoulas, canutilhos e miçangas. Dança de cores, bumba (dança), bumba meu boi (dança meu boi).

A festa do boi é uma festa que tem origem nas promessas oferecidas aos santos e às entidades sobrenaturais curadoras, uma festa de desejos, fantasias e convergências comunitárias. Papete mostra tudo isso em sua pesquisa, que conta com incríveis fotos de Márcio Vasconcelos e depoimentos de estudiosos do tema. O livro é acompanhado por um CD, com toadas de boi, e quatro DVDs com os contares e cantares dos entrevistados. É um relicário de ritos e ritmos significativos do Brasil.