No hotel do Mazzaropi
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 17 de dezembro de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE
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Passei uns dias no hotel construído em Taubaté pelo comediante Amácio Mazzaropi (1912 – 1981) para abrigar atores da sua companhia cinematográfica PAM Filmes. Ali ele conseguia fazer um longa metragem em apenas um mês. Todo o hotel é marcado por cartazes e fotos do comediante. É lá que se encontra também o belo Museu Mazzaropi, com acervo relativo às 32 películas protagonizadas pelo ator, entre 1952 e 1980. Os apartamentos são temáticos e fiquei na ala do filme “O Corintiano” (1966).

Tive boas lembranças dos filmes de Mazzaropi que vi na infância. O fenômeno desse artista, que foi o mais popular dos caipiras brasileiros, colocou por décadas os seus filmes na lista das maiores bilheterias do cinema nacional. Filmes como “O Jeca Macumbeiro” (1974) chegaram a ter mais de três milhões de espectadores, em um período em que o Brasil não chegava a cem milhões de habitantes.

Quando menino, Mazzaropi ganhou o mundo com uma trupe circense. Era o contador de piadas, ao lado do engolidor de facas, do cuspidor de fogo, do mágico, do faquir e do equilibrista. Mudou de companhia, aprendeu a marcar espetáculos, a fechar negócios e criou a própria trupe. Porém, com a chegada do CinemaScope, nos anos 1950, o teatro perdeu salas para o cinema e o comediante transformou o problema em solução. Ou seja, foi para o cinema, tendo passado pelo rádio e pela televisão.

No momento em que a Atlântida (RJ) produzia chanchadas, a Vera Cruz (SP) procurava fazer filmes diversificados, sem, no entanto, deixar de produzir trabalhos de apelo popular, como o de Mazzaropi. Era um modo barato de fazer filmes de sucesso. Com a entrada em crise da Vera Cruz, Mazzaropi criou o próprio negócio, a Produções Amácio Mazzaropi (PAM Filmes), que estreou com o filme “Chofer de praça” (1958), no qual o comediante interpreta a vida do pai de um estudante de medicina que, para custear os estudos do filho, se muda para trabalhar na cidade grande.

Faz sucesso e, em seguida, filma “Jeca Tatu” (1959) inspirado no personagem de Monteiro Lobato (1882 – 1948), que, com seu jeito ingênuo e astuto, torna-se sucesso de bilheteria. Animado com o êxito desse personagem de chapéu de palha desajeitado, cigarro de palha na boca torta e camisa quadriculada, produz uma série de filmes com esse personagem: “Jeca Tatu” (1959), “Tristeza do Jeca” (1961), “Jeca e a Freira” (1967), “Jeca contra o capeta” (1975), “Jecão, um fofoqueiro no céu” (1977), “Jeca e seu filho preto” (1978) e “Jeca e a égua milagrosa” (1980).

Com a decisão de investir na indústria do cinema, adquire em 1961 uma fazenda nos arredores de Taubaté, que passa a servir de hotel e locação para os seus filmes. Incansável, Mazzaropi era ator, cineasta e distribuidor da própria produção. Como todo homem do campo, tinha um lado musical muito presente. Aproveitava esse atributo para cantar em duetos com grandes artistas, tais como Ângela Maria, Elza Soares, Agnaldo Rayol e Celly Campelo.

Filmando na cidade ou no interior, o ponto comum da sua cinematografia é o humor comum em situações de sobrevivência. Além dos temas voltados ao tipo caipira do interior paulista, Mazzaropi filmou o dia a dia de um caminhoneiro na vida urbana (Sai da frente, 1952), o trabalho nada fácil de um laçador de cães de uma prefeitura do interior (A carrocinha, 1955), o sufoco de um engraxate envolvido com bandidos (O gato da madame, 1956) e a desconfortável vida de desconfiança de um homem rico (Nadando em dinheiro, 1952).

Na mesma pegada, filmou histórias como a de um sujeito que entra para as forças armadas, a fim de agradar o pai da namorada que é sargento (Fuzileiro do amor, 1956); a de um bebê adotado por um casal que não conseguia ter filhos e, logo em seguida, a mulher engravida (Cadinho, 1954); os casos do funcionário do zoológico que tem uma girafa como confidente (O noivo da girafa, 1957), do jardineiro do colégio que se apaixona por uma aluna (Zé Periquito, 1960) e do cidadão que arrisca a vida para evitar o descarrilamento de um trem (Chico Fumaça, 1958).

Centrados na comédia de costumes, os enredos dos seus filmes não tinham uma história com começo, meio e fim; apenas temas sobre os quais fazia graça, sem preocupações de continuidade nas cenas. No livro “Sai da frente” (Desiderata, RJ, 2010), no qual conta a vida e a obra de Mazzaropi, a jornalista carioca Marcela Matos atribui em parte o sucesso de Mazzaropi ao fato de ele, mesmo conquistando tudo o que conquistou no cinema, nunca ter aberto mão de se apresentar face a face com a plateia – sobretudo a do circo – a fim de aprimorar sua habilidade de provocar o riso.

O ator que dizia oferecer “distração em forma de otimismo” era também visto por muitos críticos como um explorador da imagem das pessoas humildes, por fazer filmes popularescos com fins eminentemente comerciais. Acusado de fazer comédia pastelão, costumava perguntar: “O Gordo e o Magro, por acaso, fizeram filme de arte?”. Mazzaropi tinha seu elo mais forte no relacionamento direto com plateias formadas por pessoas de todas as idades, a ponto de afirmar que “O Brasil é o meu público”.