Nos viveiros como as aves
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 07 de janeiro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE
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A visita ao Parque das Aves em Foz do Iguaçu é, antes de tudo, uma intensa experiência sensorial. Pode-se até ir ali somente com a intenção de ver bichos de pena e outros animais do mundo das florestas subtropicais, mas dificilmente alguém sai do circuito de um quilômetro e meio de acesso, entre viveiros integrados à mata nativa, sem ter exercitado pelo menos percepções visuais de sons e impressões sonoras de cores.

O compartilhamento espacial concreto e o contato direto com seus timbres olfativos e táteis autenticam a proximidade para o exercício da sensibilidade interna de cada visitante. Os viveiros integrados ao meio ambiente tiram de pronto qualquer impressão de bicho engaiolado. O parque é constituído por 900 aves de 150 espécies, originárias de zoológicos brasileiros, de apreensões feitas pelo Ibama e adquiridas de florestas subtropicais africanas e asiáticas.

Os recintos que abrigam essa fauna expressiva estão conectados por trilhas com eclusas teladas fazendo a separação dos viveiros que preservam as agregações temáticas dos bichos, inclusive com um específico para as aves existentes no Parque Nacional do Iguaçu. Localizado ao lado da rodovia das Cataratas, esse centro de conservação da natureza acaba de completar vinte anos da sua fundação em 1994, com registro de cerca de 500 mil visitantes ao ano.

Na apresentação do mapa da trilha, uma aviso: “Esse não é um passeio como outro qualquer. É uma experiência única na qual você encontra incríveis aves da Mata Atlântica em meio ao seu habitat natural e espécies exóticas de diversas partes do mundo”. A relação com os bichos começa com uma diversidade de papagaios e periquitos, com suas variações incríveis de cores nas asas, no rabo, no bico e na cabeça.

Depois de sentir a conversa entre florestas distantes, na voz de cores do papagaio-do-congo – cinza de cabeça vermelha –, e o anacã amazônico – também de cabeça escura e pescoço com franja vermelha e azul –, escutei o grito forte e estridente de um tachã que olhou para mim com seu olho da cor do meu.

Chegamos aos flamingos com seu balé de nuvem rósea de penas, abrigando pintinhos de penugem acinzentadas, em uma beleza de vida grupal. Os pesquisadores do Parque das Aves, sabendo que, para se reproduzirem, os flamingos necessitam da sensação de estar em grandes grupos, colocaram uns espelhos enormes na área de convivência dessas aves africanas, conseguindo, assim, incentivar a reprodução dentro do parque.

De repente, um estalo como se um pedaço de pau tivesse sido quebrado. Era a jacutinga batendo asas. Olhei para ela e ela olhou para mim com seu olhar de olho negro e cabeleira branca penteada. Ao lado, um socó me fez lembrar do carimbó trava-língua do Pinduca, que passei a cantar mentalmente: “É um socó só pra sete socó coçar / é um socó só pra coçar sete socó / são sete socó pra um só socó coçar”.

E segui, com esse som de socó na cabeça, observando as aves que quase não voam (perdizes, macucos, mutuns, faisão dourado…), os bichos associados à evolução das aves (répteis, serpentes…) e parei de cantarolar para escutar o deslizar de uma destacada sucuri amarela que, mesmo sem ligar para a minha presença, me dizia do bíblico paradoxo entre o perigo e a beleza.

Esse sentimento perdeu imediatamente a validade quando deparei com o grou-coroado e seu encantador penteado de ouriço dourado. Faceira, essa ave sagrada africana circula com suas plumas cinza-azuladas em dégradé extensivo ao azul escuro contrastado por uma mancha branca das ancas, dando a impressão de saber que está sendo admirada. E levanta a charmosa cabeça preta e branca, de bico azul e gola vermelha, composta com o detalhe também em vermelho que sobranceira seus olhos cinza-azulados.

No caminho sensorial do Parque das Aves as plantas são as mediadoras das trocas. A incorporação da energia vibrante de tantos bichos maravilhosos em seu estado natural só é possível porque eles podem voar nos grandes viveiros dispostos em uma floresta nativa preservada de 16,5 hectares. As mensagens transitam pelo ar; labaredas de penas são guarás e, ilusão de ótica quadriculada, asas e rabos abertos de harpias em cena de caça, com seus bicos volteados de rapina.

O amplo recinto das araras é lugar de incríveis sensações. Com seus voos rasantes, daqueles que dão para a gente sentir o vento produzido por corpos em movimento, e no turbilhão de cores agitadas no espaço livre, elas desorganizam qualquer jeito tradicional de observação de aves. Voa-se junto, colore-se o passar do tempo junto e, principalmente, ecoa-se junto com o que há de surpreendentemente lírico na aspereza das vozes das araras.

No borboletário experimentei a força estridente do silêncio desses insetos mágicos, sem perder a dinâmica das cores em movimento. Uma borboleta preta, com asas abertas em azulado fosforescente, ajudou-me na passagem dos sentidos da agitação para a calma, sem precisar relatar nada, apenas revelando tudo com os saberes do instinto.