2023 é o 15º ano consecutivo que as professoras e os professores do Espaço Cultural História Viva, instituição de arte, cultura, educação e cidadania do município de Independência (CE), realizam um evento de mobilização da juventude que leva o meu nome: Prêmio Literário Flávio Paiva.
Este ano, o estímulo para estudantes das escolas públicas e particulares, da sede e dos distritos de Independência, tem um sabor muito especial por ser uma oportunidade concreta de imersão em feitos ocorridos no ano de 1823, ou seja, há 200 anos, e que envolvem nossos antepassados habitantes daquela região.
Com o tema “A história do Brasil passa por Independência”, as jovens e os jovens da cidade onde eu nasci são desafiados a responder em forma de crônica, conto, poesia e literatura de cordel à seguinte provocação: “O que significa para você a participação dos nossos antepassados na vitória contra o exército português, que, há 200 anos, assegurou a Amazônia para o Brasil?”
As fontes de pesquisa para a realização dessa tarefa não são fáceis, haja vista que a historiografia oficial pouca atenção dá aos fatos que não servem aos interesses tradicionalmente dominantes. Por conta dessa escassez bibliográfica e documental, a História Viva disponibilizará às escolas do município, engajadas nesse processo de educação participativa, um conjunto de informações referentes ao assunto, com o intuito de facilitar a investigação sobre os acontecimentos em pauta.
Esse dossiê é composto por artigos publicados em jornais, entrevistas, imagens de cunho didático e reproduções de páginas de livros. Entre o material a ser examinado está o meu livro “Toque de Avançar. Destino: Independência” (Armazém da Cultura), no qual relato a saga da Legião Popular que, dois séculos atrás, partiu dos Inhamuns (terras altas), uniu-se à gente valente do Meio Norte e da Mata dos Cocais para, juntos, derrotarem o exército português.
Como toda história pouco depurada, essa necessita de atenção especial em alguns pontos, como o fato de o território onde hoje é Independência ter pertencido ao Piauí até 1880. Isso quer dizer que, pelas notas dos memorialistas e historiadores, os cearenses que ajudaram a fazer essa história em 1823 eram pessoas das demais áreas dos Inhamuns (região em que Independência está situada), Sertão Central, Ibiapaba e arredores.
Algumas referências feitas ao nascimento de João da Costa Alecrim também merecem um olhar atento, por indicarem que o líder popular cearense seria pernambucano. Isso também acontece por conta de uma confusão decorrente das mudanças de terras anexadas e emancipadas no período colonial. Por exemplo: se alguém nascia no Ceará (Siará ou Ciará) até 1680, podia ser considerado maranhense; daí até 1799, antes de o Ceará ser desmembrado da capitania de Pernambuco, essa pessoa às vezes era identificada como pernambucana.
A base dessa pesquisa é o bicentenário da Batalha do Jenipapo/PI e do Cerco a Cachias/MA (escrito assim porque à época Caxias tinha nome de flor), eventos históricos protagonizados por cearenses, piauienses e maranhenses, dos quais um contingente expressivo de ascendentes independencianos participou de forma intensa e apaixonada, a ponto de, retornando às origens, promover a mudança do nome Pelo Sinal para Independência.
Foi um esforço enorme para que essa mudança de nome ocorresse, considerando que era motivo de regozijo para o príncipe dom Pedro ter seu nome em localidades do país do qual se tornara o imperador Pedro I, mesmo nos lugares mais distantes, como Príncipe Imperial (Crateús) e São João do Príncipe (Tauá), municípios que se limitam com Independência. Tanta persistência para colocar e manter o nome Independência merece no mínimo que se reflita sobre o que esses nossos antepassados esperavam de nós.
A despeito da antipatia dos monarquistas, Independência está aí, desde 1857, como o único dos 5.568 municípios brasileiros que têm no nome a marca dessa vitória em favor da separação do Brasil de Portugal e pela manutenção da unidade territorial do país. Existem dois outros municípios que têm independência no nome (um no Rio Grande do Sul e outro em São Paulo), mas sem vínculos com a História do Brasil.
Ao longo de seus 15 anos de ação coletiva, esse prêmio tem instigado a juventude independenciana a pensar sobre temas geradores do despertar para a cidadania orgânica, envolvendo ano a ano centenas de estudantes, suas escolas e famílias. A seleção final dos textos inscritos é feita por professoras e professores dos campus Jaguaribe, Baturité, Ubajara e Fortaleza, do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE).
Para o momento das premiações, quando acontece também a entrega do Troféu Saci de Personalidade do Ano (um tributo a pessoas com destacada atuação na vida do município e nem sempre reconhecidas publicamente), a História Viva conta com colaborações voluntárias para a preparação de material de divulgação, aquisições dos prêmios, confecções de certificados e organização da festa, além do apoio do NAJA – Núcleo Audiovisual Jaguaribe e do SESC-CE.
E, para este 2023 especial, a culminação do prêmio, que acontecerá dia 26 de agosto no largo da Estação Leitura, antiga estação de trem onde funciona a sede da instituição, contará com uma atração também muito especial: o compositor e cantor Edvaldo Santana, notável bluesman brasileiro, filho de pai piauiense e mãe pernambucana, nascido com as bênçãos das ancestralidades da aldeia de Ururaí, nos ares nordestinos de São Miguel Paulista, periferia de São Paulo.
A obra autoral de Edvaldo Santana está sintetizada em oito álbuns produzidos de forma independente, entre os quais “Tá Assustado?” (“Seu pensador vê se decifra pra mim / Já passei por tanto horror / Por que é que não morri?”), “Reserva de Alegria” (“Quem é que não quer ser feliz / E andar por aí sorrindo adoidado? / Para isso é necessário respeitar quem está do lado”) e “Jataí” (“Eu tenho uma foto guardada da vó que fazia comida pra mim / Pros manos pra toda família baião com pequi”).
Edvaldo Santana é autor, em parceria comigo, da cantata “Toque de Avançar”, música-tema do livro homônimo no qual abordo a bravura dos nossos antepassados nativos, negros, caboclos e outros que participaram nas lutas pós-Grito do Ipiranga, contribuindo não somente no âmbito da Independência, mas para que o Brasil tivesse hoje em seu mapa o patrimônio da Amazônia.
Fonte
https://www.rivista.com.br/