Novos negócios da velha China
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 13 de agosto de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Há cinco séculos, quando navegadores da expansão marítimo-comercial europeia iam à Ásia negociar com especiarias, essas transações eram tão vantajosas que os mercadores daquela época passaram a chamar esse lucrativo comércio de “negócio da China”. Com o tempo e a expansão do capitalismo no século XIX, os britânicos passaram a ver no potencial consumidor e no trabalho abundante e barato dos chineses novas oportunidades de fazer negócio da China.
Com a globalização neoliberal da segunda metade do século passado, os estadunidenses exportaram até seus empregos para o gigante asiático em busca de negócios da China. O advento da internet levou as corporações multinacionais a forçarem a entrada da nova economia no mercado chinês, o que resultou em conhecidos embates como o da Google contra o governo daquele país, que foi duramente atacado apenas porque resolveu ter o seu próprio motor de busca.
Os chineses encontraram em um poema do século XIII a inspiração para o seu buscador local. Para isso, precisavam de um nome que, antes de tudo, o povo chinês entendesse. A palavra Baidu, que dá nome ao terceiro maior buscador do mundo, tem como fonte a poesia de Xin Qiji, que fala de uma pessoa que procura desesperadamente por outra no meio da multidão, entre flores e árvores que dançam ao vento e estrelas que caem do céu como se fossem chuva, e a encontra, enquanto a luz da lua se transforma.
Queriam que os negócios da China, otimizados pela nova economia global, digital e online, fossem também bons para os chineses. Mas os avanços das grandes corporações da internet não estavam apenas no mercado de informações; os portais de vendas de produtos internacionais invadiam o país e neles não havia oferta de produtos chineses. E foi indignado com essa situação de mão única que os chineses resolveram criar a Alibaba, uma loja virtual que passou a ser a maior do mundo.
Mais uma vez a sabedoria milenar chinesa foi buscar na fonte da cultura o elemento essencial para superar a escalada das empresas de e-commerce norte-americanas em seu país. O estalo para despertar as forças necessárias para essa batalha economicamente desigual ocorreu em 2002, quando entrou na China o Ebay, até então o mais exitoso shopping de vendas pela internet do mundo. Em vez de temer a situação, os chineses não deixaram de reconhecer o poder da multinacional norte-americana; porém, lançaram mão de uma metáfora para contra-atacar.
Não havendo dúvidas de que se tratava de um feroz tubarão, invencível no oceano, restava a eles ter a compreensão que tiveram, quando deram por si que, mesmo o concorrente sendo uma empresa de fora, a briga se dava no local e, na província de Zhejuang, o campo de batalha, não era o mar, mas o rio Yangtzé. E no rio, ser jacaré é muito mais negócio do que ser tubarão. Assim, assumindo as peculiaridades culturais, criaram o portal Taobao, de combate ao Ebay, e passaram a dominar o comércio online do crescente mercado de consumo do seu país.
O Alibaba cresceu fazendo a ponte entre pequenos fabricantes chineses e o mercado local. Em 2005, o grupo vendeu 40% das ações para a Yahoo, por um bilhão de dólares, e ampliou suas fronteiras comerciais para fora da China, vendendo sapatos, automóveis, artigos escolares, de escritório, beleza, casa e jardim, eletrônicos, vestuário, esporte e entretenimento, com o apelo “o melhor negócio onde quer que ele esteja”. A atração principal dessa multinacional chinesa, líder global do varejo virtual, está na variedade de produtos e nos preços competitivos.
No próximo mês de setembro, o grupo Alibaba, que tem patrimônio líquido acima de 120 bilhões de dólares, com investimentos ampliados a serviços de redes sociais, mídia, aplicativos de mapeamento e estrutura logística, deve fazer sua primeira oferta pública de ações (IPO) na bolsa de Nova Iorque, e a expectativa do mercado é que o grupo varejista chinês levante mais do que os 15 bilhões de dólares alcançados pelo Facebook em 2012. É um “negócio da China”, que sai da lógica da velha expressão do tempo das grandes navegações oceânicas para a lógica um tempo de navegação pelo ciberespaço.
Com sede em Hangzhou, sua cidade de origem, essa plataforma mundial de “business-to-business” (B2B), vendas de varejo, pagamentos online e serviço de nuvem tem uma carteira de compradores ativos da ordem de 230 milhões de pessoas. No ano passado, movimentou 248 bilhões de dólares e vem aumentando sistematicamente o seu conglomerado, financiando negócios inovadores, como a startup Kabam, de games para web e smatphones, e a Fanatics, de artigos de esportes.
Os casos chineses do Baidu e do Alibaba nos dizem que para ser competitivo global na nova economia de redes intensas e velozes um empreendimento precisa encontrar conceito nas suas raízes culturais, quer seja na força motivadora de um poema ou na sensibilidade instintiva de uma metáfora do mundo animal. Os novos negócios da velha China atestam que a inovação, de fato, passa por atos de confiança e de inspiração simbólica.