O algo mais do Leicester City
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 04 de maio de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_oalgomaisdoleicestercity

A mídia desportiva mundial começou esta semana com uma curiosa novidade no mundo futebolístico: o campeão da Premier League (1ª divisão inglesa) foi o desconhecido Leicester. E, para calar de vez a boca dos que só acreditam no poder do dinheiro no futebol e nos esquemas de manipulação da cartolagem, ele foi campeão com duas rodadas de antecedência.

Muitos chamaram a conquista do Leicester de zebra, considerando naturalmente que os grandes campeões da Inglaterra tendem a ser sempre os mesmos times, às vezes vencedores em sequências de anos. Para se ter uma ideia, nas duas últimas décadas apenas quatro clubes levaram todos os títulos.

O Manchester United, que é controlado por capital estadunidense, ganhou onze; o Chelsea, que pertence a um magnata russo, faturou quatro; o Arsenal, patrocinado pelos petrodólares árabes, ficou com a taça em três; e o Manchester City, que é propriedade de um sheik oriental, tem dois desses títulos mais recentes.

A Primeira Liga inglesa, assim como o Campeonato Brasileiro, segue a lógica dos pontos corridos e é comum nesse percurso a queda de equipes que começam bem. E um dos principais motivos de muitos tombos pelo caminho ocorre com a abertura de janelas de contratação em pleno campeonato, quando os times mais poderosos desmancham os menores, comprando-lhes os técnicos e os principais atletas.

Do jeito que estão montados esses campeonatos, torna-se quase impossível que algum time fora dos que controlam os regulamentos seja campeão. Daí a importância do fenômeno Leicester para a atual realidade do futebol mundial. Como tantos outros times da Inglaterra, ele tem poucos títulos, num país que não possui campeonatos estaduais, nem regionais com a participação dos grandes clubes.

Fundado em 1884, ao longo de sua história o Leicester ganhou três vezes a Copa da Liga Inglesa (uma espécie de Copa do Brasil menor); uma vez a Supercopa (que não passa de um único jogo promocional); e sete vezes a 2ª Divisão. É um time com perfil de segundona, que subiu no campeonato de 2013/14 e se preparou para ser vitorioso na temporada 2015/16.

Juntamente com os meus filhos, Lucas e Artur – que me ajudaram a escrever este artigo –, procuramos destacar três pontos essenciais dessa conquista: a) o compromisso do técnico italiano Cláudio Raniere de montar uma equipe sem a necessidade de contratação de grandes estrelas e com filosofia de jogo bem definida; b) união do elenco em torno do respeito ao sonho do torcedor de ser campeão inglês; c) pacto para que ninguém do time principal aceitasse propostas de outros clubes, pelo menos até o término da temporada.

Durante o percurso foram muitas as tentações de rompimento dessa aliança, sobretudo quando atletas como o centroavante Vardy, que bateu o recorde do campeonato, marcando gols em onze partidas consecutivas, e o meia argelino Mahrez, escolhido como o melhor jogador da temporada, passaram a ser visados por grandes clubes europeus e dirigentes da liga chinesa.

Com o êxito do seu time de futebol, a cidade de Leicester, de 300 mil habitantes, retoma o orgulho de lugar vencedor, no momento em que sofre com a queda da sua histórica produção têxtil, de confecções e calçados para o mercado asiático – embora conte com um forte setor de serviços e de distribuição. A vibração é tamanha que há uma pressão social no sentido de que cada jogador campeão ganhe um nome de rua. Inspirador!!!