A entrega do título de Doutora Horonis Causa concedido pela Universidade Federal do Ceará (UFC) à cantora baiana Maria Bethânia (78) possibilitou que se conhecesse um pouco do olhar dessa diva da canção popular sobre pessoas de grande importância na contribuição cearense à arte e à cultura brasileiras.

Na solenidade realizada sexta-feira passada (15) na Concha Acústica da reitoria, ela não poupou admiração por figuras como o Cego Aderaldo (1878 – 1967), suas pelejas e repentes, e a romancista Emília Freitas (1855 – 1908), pioneira do realismo mágico. Recitou versos de Patativa do Assaré (1909 – 2002): “Sou um poeta do mato / Vivo afastado dos meios / Minha rude lira canta / Casos bonitos e feios”.

Destacou também o compositor Humberto Teixeira (1915 – 1979), que “mostrou sua grandeza com a palavra cantada, graças ao encontro com aquele que seria o seu principal parceiro, Luiz Gonzaga”. Bethânia analisa que, ao comporem “Asa Branca”, eles foram além das desventuras da gente nordestina no drama da seca, alcançando o equilíbrio entre as forças antagônicas do sofrimento e da esperança, comuns à humanidade.

A cantora deteve-se afetuosamente em sua fala sobre Violeta Arraes (1926 – 2008), a socióloga de ativismo cultural e político estendido desde a potencialização da arte popular caririense até o apoio aos movimentos anticolonialistas da África portuguesa, passando por suportes dados na França a brasileiros perseguidos pelo regime militar e por seu trabalho junto ao bispo cearense Dom Helder Câmara (1909 – 1999), quando arcebispo de Recife e Olinda, e ao educador pernambucano Paulo Freire (1921 – 1997), em ações parisienses pela cultura popular.

Maria Bethânia associa os ensinamentos que recebeu de Violeta Arraes a aprendizados da sua juventude, quando saiu de Santo Amaro para morar em Salvador e encontrou na atmosfera universitária uma grande ciranda em que girava o teatro de Álvaro Guimarães (1956 – 2009), o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), a arquitetura de Lina Bo Bardi (1914 – 1992), o cinema de Glauber Rocha (1939 – 1981), a música experimental de Koellreutter (1915-2005) e a excelência da música popular brasileira.

O ministro Camilo Santana, Maria Bethânia e o reitor Custódio Almeida. Foto: Guilherme Silva/UFC.

Apesar de tudo o que aconteceu de importante com Bethânia por influência da universidade, ela não foi estudante de dentro dos muros acadêmicos. Resumiu essa situação de usufruto livre da vida universitária afirmando que “uma verdadeira casa de ensino não tem muros, apenas portas sempre abertas”, e que o sentido de um projeto educacional efetivo está em “sua capacidade de lançar mundos no mundo”.

Definiu três balizas de sustentação do título recebido: 1) Ser mulher, “a fim de marcar a necessidade sempre urgente de ampliar o lugar das mulheres na sociedade civil brasileira”; 2) Ser trabalhadora, “uma das muitas desse imenso, formidável e difícil país; e 3) Ser fruto da música popular, “aqui está ela, a canção e sua história, a canção e sua força, a canção e seu sangue, a canção e o ritmo de suas asas, a canção e suas dores, a canção e suas alegrias, suas aleluias…”.

No megashow Caetano & Bethânia, realizado na arena Castelão (16), com direção musical do baixista cearense Jorge Helder, que, de tão extraordinário, é chamado de “São Jorge” por Chico Buarque, o filho e a filha do Seu Zezinho e da Dona Canô cantaram “Mucuripe”, e Maria Bethânia enlevou mais um cearense do seu querer: “Bravo, Belchior!”.

Fonte:
Jornal O POVO