Em um dos seus geniais desenhos humorísticos, o cartunista Mino descreve uma cena que se passa no interior de uma loja de pássaros. O cliente questiona o vendedor: “Não entendo… esse aqui, que canta para valer, é bem mais barato que aquele caladinho lá, que nem abre o bico”. E o vendedor responde sem titubear: “Ah! É porque esse caladinho é que é o compositor”.
Essa situação divertida, caricatural e cheia de sentido crítico agora é também um quadro, com moldura e vidro, que está na parede do quarto onde comumente realizo o meu trabalho que combina literatura e música. Com traços, cores e balões próprios do seu estilo leve e preciso, o Mino sintetiza, nessa tela fraternalmente feita para mim, uma questão de grande relevância cultural: quanto vale o compositor.
Toda composição, por mais repaginada e regravada que seja, tem alguém que sozinho ou em parceria fez a obra original, sem a qual a música não existiria. Por mais que qualquer produção humana decorra do repertório cultural de indivíduos, grupos, sociedades e civilizações, é indiscutível o caráter subjetivo da autora e do autor na inspiração e na criação de uma música.
As músicas que ouvimos ou as que desconhecemos têm a pessoa ou as pessoas que a compuseram, mesmo aquelas ditas anônimas e as que fizeram obras classificadas como de domínio público. Essas pessoas podem não ser identificadas, nem reconhecidas, ou terem sido usurpadas da sua criação, mas foram as que funcionaram como catalisadoras de sensações, sentimentos e emoções transformados com esforços próprios em composição.
A indústria fonográfica e o mercado de entretenimento acharam por bem ocultar ao máximo o nome de quem compõe porque, assim, ficariam mais à vontade para explorar os autores e transferir seus ganhos para empresas detentoras dos direitos patrimoniais de autor (imbrincados na noção de propriedade intelectual) das músicas comercializadas, tanto no velho modelo de discos físicos como no de serviços de streaming.
Essa estratégia foi naturalizada ao ponto de, em tempos recentes, os próprios órgãos de cultura brasileiros, mancomunados com as telefônicas e outras corporações que obtêm lucro com música, terem incentivado as pessoas que se valem de conteúdos musicais em seus trabalhos a ojerizar o autor e a autora, como se estes fossem empecilhos para suas produções digitais.
Ora, se o pensamento e o discurso de uma composição têm sua operação efetuada nos ares da linguística inconsciente, isso não elimina a sensibilidade pessoal e a forma de se expressar de cada pessoa; pelo contrário, aumenta a importância da autoria no permanente processo de construção de sentido da humanidade. Todos fazemos parte do todo, mas, antes de tudo, todos somos cada um.
Sem se dar conta disso, muita gente, ávida pela utilização de música em um tempo de comunicação frenética, segue maldizendo o autor e a autora, que já são altamente marginalizados em toda a cadeia produtiva da música, quando isto, sim, é um dos grandes problemas a serem enfrentados por uma sociedade atenta à importância social, econômica e política do seu poder de se perceber e de se colocar no diálogo entre povos e nações.
As plataformas de música digital têm sido muito criticadas por seguirem reproduzindo os tradicionais métodos de massificação de canções, de acordo com o poder econômico dos produtores do mercado fonográfico. Nesse cenário, o compositor e a compositora seguem proscritos pelo sistema dominante e pela sociedade dominada. Mas ainda vivem.