Notícias fragmentadas sobre as turbulências sociais e políticas que afetam violentamente Moçambique levaram-me a buscar esclarecimentos junto a amigas e amigos daquele país integrante do território linguístico remanescente da colonização portuguesa no qual o Brasil está inserido.

Moçambique conquistou a independência em 1975 e teve dificuldades iniciais de estruturação por falta de pessoas capacitadas para assumir funções nas instituições antes dominadas pelo colonizador, tamanha era a exclusão social estabelecida. Em um curso de regime severo, oposição armada, guerra civil, intervenções estrangeiras e processos eleitorais conturbados, o país permanece em indesejável degradação.

A descoberta de uma reserva gigantesca de petróleo e gás na província de Cabo Delgado, em 2017, sinalizava para a libertação econômica dos moçambicanos, mas tem resultado em muitos e muitos mortos. Sobre isso, escrevi o artigo “Banho de sangue na baía de Cabo Delgado” (V&A, 29/06/2021), no qual tento mostrar a matança como limpeza da área de exploração.

Os problemas enfrentados pelos moçambicanos seguiam longe dos ideais revolucionários de Samora Machel (1933 – 1986), primeiro presidente do país, que sonhara em criar uma escola de base por meio da qual o povo pudesse chegar ao poder, quando o cantor Mano Azagaia (1984 – 2023) retomou a bandeira do “Povo no Poder” em suas rimas e ritmos.

Jovens sem oportunidades, que se batem cotidianamente contra a situação de guerra pela sobrevivência, entenderam a força desse som e somaram-se às mobilizações por renovação política. No artigo “Moçambique em estado de Azagaia” (V&A, 21/03/2023), comento essas contestações da juventude em busca de alternativas para o governo moçambicano.

Chegaram as eleições presidenciais e legislativas de 9 de outubro de 2024, e essas pessoas acreditaram que o momento de mudança havia se apresentado e foram às urnas depositar suas esperanças na chapa de um pastor midiático, não necessariamente por sua credibilidade como político, mas por não suportar mais esperar a consecução de promessas não realizadas cinco décadas depois.

Protestos em Maputo. Foto: Siphiwe Sibeko / Reuters (21/10/2024)

O despertar da população é o de que não faz sentido Moçambique possuir tantas riquezas naturais e não conseguir o mínimo de qualidade de vida para o seu povo. A desconfiança em membros do governo se estende desde servidores públicos comuns até o ministro da defesa, que seria sócio de mineradora na região de Cabo Delgado, em um inconsequente conflito de interesses.

Após o anúncio feito pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) dando vitória ao candidato da situação com 70,67% dos sufrágios, as manifestações de repúdio ao resultado tornaram-se massivas na capital Maputo. O principal motivo da contestação teria sido o número de votos bem superior ao número de votantes em determinadas seções.

O Conselho Constitucional nem anunciou a análise a respeito dessas discrepâncias, mas as evidências de fraude foram suficientes para encorajar as pessoas a tomarem as ruas. Nessas circunstâncias é comum a infiltração de agentes do sistema ameaçado para a prática de vandalismo visando desqualificar os protestos.

Fogo, sangue e pavor marcam esse momento de Moçambique. O grande dilema que se impõe é de como não deixar que a ferida supurada degringole para uma guerra civil, de maneira que esse exercício coletivo por direitos civis, políticos e sociais fomente uma unidade nacional em favor de instituições que governem para a gente moçambicana.

Fonte:
Jornal O POVO