Ao final da mensagem em que renuncia à presidência do seu partido de esquerda moderada, Birgitte Nyborg, ministra das Relações Exteriores da Dinamarca, diz que às vezes a vida avisa quando um novo capítulo vai começar, e que naquele momento ela renascia como política e como ser humano. A protagonista da série Borgen (Netflix), interpretada pela excelente atriz dinamarquesa Sidse Babett Knudsen, expõe o drama entre convicção e luta pelo poder.
A nova temporada de Borgen – O reino, o poder e a glória – é bem oportuna para quem se interessa pela importância da política, seus enfrentamentos ideológicos e morais, e de como as decisões tomadas refletem na vida de quem está na condução dos processos de condução do poder. A série destaca a atuação feminina na política, por meio de dramas pessoal, familiar, profissional e político de Birgitte.
Ver a primeira temporada não é condição indispensável para o usufruto dessa nova etapa, mas seguramente é premissa para o aprofundamento do seu grande valor pedagógico. Comentei a primeira temporada neste Vida&Arte (Política e cidadania orgânica, 27/07/2021) a título de recomendação ao arejamento comparativo de cabeças cidadãs, em um país que atravessa a sua maior e mais intensa crise social e política desde o início da redemocratização há quatro décadas.
Na temporada anterior, Birgitte é uma ativista comum, fundadora de um partido de centro-esquerda, que se torna primeira-ministra da Dinamarca depois de desastrosos embates entre os partidos liberais e conservadores. O que caracteriza originalmente essa personagem é a sua humanidade; porém, na temporada atual, ela, na condição de Ministra do Exterior, luta contra o endurecimento dos próprios sentimentos decorrente do apego ao poder.
Diante de questões ambientais abaladas com a descoberta de petróleo na Groenlândia – a gigante ilha de gelo que é território autônomo dinamarquês –, Brigitte Nyborg entra em choque com os seus próprios compromissos ao sentir sua carreira ameaçada em um jogo de interesses que abrange Estados Unidos, Rússia e China, além da própria fissura na relação entre o governo da Dinamarca e a Groenlândia.
Como ficam as convicções quando o desejo de poder se acentua é o ponto central desenvolvido nos oito episódios dessa temporada que aborda os temas das mudanças climáticas, do caráter das mídias no mundo da política e dos conflitos de posicionamentos em circunstâncias de antagonismos. Tudo em um ambiente de acirradas disputas multipartidárias em um governo de coalisão.
O discurso de Birgitte é uma peça com muitas aberturas para reflexões sobre o estado de deformação a que muitos líderes políticos chegam quando já não são reconhecidos pelo que pensam e defendem. No momento em que ela toma a atitude de procurar ver quem ainda é, afirma: “Estamos lutando por poder aqui hoje. O direito de decidir. O poder (…) Não podemos ser políticos sem aspirarmos o poder (…) Mas o poder tem vida própria. Quando vê, você se afastou de tudo aquilo em que acreditava”.
Nesse desespero para se manter no poder, Birgitte Nyborg fala dos esforços engendrados para reduzir as forças e até derrubar os próprios aliados, e defende que as convicções deveriam sempre ter mais peso do que o poder. “Espero nunca perder a capacidade de admitir quando estou errada”, assevera ao comentar sua mudança de opinião com relação ao custo da exploração de combustíveis fósseis ser muito maior do que os benefícios que trariam. E encerra sua mensagem apelando para que, ao invés de combatermos uns aos outros, deveríamos somar esforços pelo que acreditamos.