O fotógrafo da luz essencial
Artigo publicado no Jornal O Povo, Caderno Vida & Arte, página 8
Terça-feira, 18 de Janeiro de 2000 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Qualquer estudo da árvore genealógica da fotografia brasileira deve ter pelo menos um galho contemplando o nome de Chico Albuquerque como pai da foto publicitária. Há mais de meio século, precisamente no ano de 1948, ele foi o primeiro profissional da fotografia a participar de uma campanha da J.W. Thompson, para os produtos Johnson & Johnson. O impacto da nova linguagem mexeu com os conceitos da comunicação de mercado e abriu espaço para a participação dos fotógrafos em um campo até então restrito aos ilustradores. A novidade estimulou também a abertura de trabalho para modelos fotográficos, uma profissão que encontrava grande resistência na cultura da época. É de se imaginar que não era nada fácil encontrar alguém que aceitasse o “inconveniente” ofício de posar.
Conhecido por sua disposição permanente de aprender, ensinar, experimentar e exercitar a curiosidade, a personalidade desbravadora de Chico Albuquerque, unida à sua inquieta formação artística, desvendaram muitos dos segredos da luz na imagem fixa. Na condição de retratista, de fixador do instante mais fugaz do múltiplo espetáculo social, de realçador das formas e volumes das frutas nordestinas, ou como contratado oficial para fazer a aerofotometria do conjunto de vertentes que formam o rio São Francisco, sempre esteve revolvendo códigos e imprimindo sua marca na história da fotografia. Com apuro técnico, de estilo e um consistente processo de trabalho contínuo, tornou-se referência na segunda metade do chamado século da imagem.
Sua vida confunde-se com a arte de fotografar. Na adolescência, animado pelo pai, Adhemar Bezerra Albuquerque, fundador da Abafilm, envolveu-se com o cinema de curta metragem. Mas a paixão pela forma, textura e brilho da luz retida em momentos decisivos foi o suficiente para uma definição de rumo. Começou, no início dos anos 30, a profissionalmente registrar a quietude lírica das pessoas, fazendo retratos. O cuidado em destacar faces e olhares contemplativos no jogo de meia-luz, foi moldando-lhe a sensibilidade para a valorização de contrastes e tonalidades, indispensáveis à construção da sua obra rica em equilíbrio estético, pela precisão das proporções de luz e sombra.
O sentido de composição e enquadramento aprendeu com ninguém menos do que o agitado Orson Welles (1915 – 1985). O cineasta hollywoodiano contratou-o para fazer a fotografia de It’s all true (Tudo é verdade), que conta uma bela saga dos jangadeiros cearenses. Mais empolgado com o trabalho com fotografia do que com a condução administrativa dos negócios da família, Chico Albuquerque muda-se, em 1945, para o sudeste, procurando novos horizontes. No eixo Rio-São Paulo, conta com o apoio e a orientação dos fotógrafos Erwin von Dessauer e Stefan Rossenbauer, aos quais tornou-se eternamente grato pelos ensinamentos que de ambos recebeu. Com um currículo bastante apreciável nas mãos, passou a integrar a diretoria do Fotocineclube Bandeirantes e, por muitos anos, fotografou a aristocrática sociedade paulista.
Quando retorna a Fortaleza, em meados dos anos 70, desenvolve uma série de fotografias de frutas nordestinas, utilizando toda a sua experiência sobre a ação da luz, associada à criatividade, para estimular a nossa maneira de observar a beleza da fruticultura regional. Este foi o período em que foi convidado para reestruturar o departamento de fotografia do jornal O POVO, fazendo treinamento de equipe e organização do laboratório fotográfico. Em 1989 edita o antológico livro “Mucuripe”, com patrocínio exclusivo do Grupo. J. Macêdo. Um álbum de imensurável alcance cultural, que enfoca o realismo mágico do cotidiano dos jangadeiros (1952 e 1988), expondo o filme aos pontos brancos dos chapéus, areia, velas e nesgas de céu limpo e mar brilhante, para obter o impecável preto contrastante que caracteriza a publicação. Com os benefícios da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, o livro “Mucuripe” ganha, neste ano de 2000, uma nova edição com o apoio da Telemar.
Nascido em Fortaleza, no dia 25 de abril de 1917 (1) Chico Albuquerque é um fotógrafo que dá resposta a seu tempo, sem esquecer de influenciar direta e indiretamente a todos que vieram (e virão) depois dele. Felizmente, temos bons fotógrafos em abundância. O Ceará, símbolo da luz ideal, merece essa honra. A Abafilm pode até ter perdido um executivo, mas institucionalmente ganhou uma imagem impagável de qualidade e memória com o sucesso do “seu” Chico, como é carinhosamente chamado. Mais do que tudo isso, mais do que ser o pai da fotografia publicitária no Brasil, Chico Albuquerque foi decisivo para a consolidação da identidade da fotografia brasileira. Antes, havia um certo complexo dos fotógrafos em relação às artes plásticas. Transformando a fotografia em arte, ele deu sua significativa parcela para acabar com essa confusão. Sempre fugindo do centro do retângulo, como gosta de fazer.
(1) Chico Albuquerque faleceu em Fortaleza, no dia 26 de dezembro de 2000.