O grande líder de um olho só
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Contam que, em um país mais próximo do que podemos imaginar, a sociedade vivia tensa e triste porque seus representantes políticos haviam chegado a um grau tão patológico de apego aos seus próprios interesses que só conseguiam pensar em se manter ou reconquistar o poder a qualquer custo. Enquanto isso, a corrupção corria solta, a economia ia para o brejo e a cultura de mal a pior.
Inconformada com a situação, a sociedade resolveu convocar os dois líderes mais egoístas para se submeterem a um teste público que, em tese, poderia servir de chance para um possível rompimento com o amor exagerado que cada um tinha por si. A proposta era atraente, pois dava aos dois a chance de terem o que quisessem. Obviamente que ambos aceitaram.
Contudo, os dois ficaram muito abalados quando souberam que, nessa disputa, eles, mesmo podendo conquistar individualmente tudo o que almejassem, teriam que aceitar também o sucesso do outro. Isso era mortal para eles, mas, como cada qual confiava na sua malícia e esperteza, o acordo foi fechado e a data do evento marcada.
Cada líder chamou a parte da sociedade que o apoiava, procurando tranquilizá-la de que não se preocupasse com os privilégios que detinha por estar com ele, alegando ser vivo o suficiente para apresentar a melhor proposta. E cada facção passou a fazer campanha para o seu candidato; um lado dizendo que estava na hora de tirar os aloprados do poder, e o outro argumentando que o país não merecia voltar a ser governando pela elite concentradora.
A expectativa dos realizadores do pleito era a de rotação dessa perspectiva mesquinha e dualista; queriam conexões sugestivas, gestos novos, alguém que pensasse nas oportunidades criadas pela reconfiguração do mundo em tempo de multipolaridade. Mas, enfim, chegado o dia da grande revelação, as regras foram lidas publicamente:
Regra 1 – É obrigatório que cada líder faça um único pedido.
Regra 2 – Cada qual poderá pedir o que quiser.
Regra 3 – Não há limite de valor para os pedidos.
Regra 4 – Do pedido feito por cada um, o adversário receberá o dobro.
Regra 5 – O mesmo pedido não poderá ser feito duas vezes.
Realizado o sorteio, o líder que primeiro foi chamado a anunciar o seu pedido estava bem preparado, pois havia passado dias e dias pensando em como levar vantagem num concurso de regras tão severas. Disse de pronto:
– Não quero nada!
Não desejando nada, o outro também não ganhou nada, considerando que o dobro de nada é nada.
Como o mesmo desejo não podia ser repetido, o outro líder, que também tinha passado dias e dias pensando em como se dar bem nessa peleja tão dura, ficou desnorteado. Ele também tinha chegado à conclusão de que a melhor forma de deixar o outro na pior era não querer nada, mas já não contava com essa opção.
Pensou, pensou e, não conseguindo uma forma de pedir algo que não favorecesse o seu adversário, virou-se para a sociedade e sentenciou:
– Arranque um olho meu!
Assim, perdendo um olho, não obteve nada de proveito para si, mas pelo menos conseguiu cegar o adversário.