A hipermodernidade terminou. Com o alinhamento formal do trio Trump, Musk e Zuck em defesa da desinformação generalizada, como aparelho de lucro e poder do anarcocapitalismo, inicia-se o que chamo de era neodandista, um tempo marcado pela supremacia dos seguidores, conduzida em conformidade com as orientações dos algoritmos e por cima dos ideais de coletividade e do sentido de experiência vivida.
As estruturas hegemônicas estabelecidas pelo imperialismo estadunidense, tendo à frente o capital rentista, perderam a sustentação, por serem as principais responsáveis pelo aumento hiperbólico da concentração de riqueza e de poder, pelo esgotamento dos recursos naturais, pelo esgarçamento das relações humanas e pela destruição de direitos sociais.
Os Estados Unidos exportaram para seus domínios mundo afora a máxima antissocial de que cada um tem que se virar para se dar bem individualmente; preceito que funcionou basicamente para os mais ricos. Não é à toa que, mesmo sendo a maior economia do planeta, os EUA têm cerca de 40 milhões de pessoas em seu território amargando a linha abaixo da pobreza.
O país entra em risco de recessão e seu poder global cambaleia inseguro ante a multipolaridade. Apavorado com a transição sistêmica em curso, o governo trumpista brada a vontade expansionista recalcada dos Estados Unidos e sua clara disposição para estabelecer conflitos ideológicos que assegurem sobrevida ao império. Sobrepujando o direito internacional, ameaça anexar a Groenlândia e o Canadá e tomar o Canal do Panamá.
São muitas e diversas as frentes conjunturais dessa desconstrução imperialista. Tem a guerra comercial e de disputas tecnológicas com os chineses, os efeitos negativos do etnocídio palestino operado em Gaza por Israel, seu aliado de herança inglesa, a guerra entre a OTAN e a Rússia em território ucraniano e o fantasma do sistema de pagamento internacional em desenvolvimento nos Brics, por países potentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o que afetará diretamente o poder do dólar.
A novidade trazida pelo estremecimento estadunidense que inaugura a era neodandista é a convocação do império a Dorian Gray. Recorro à metáfora do personagem do escritor irlandês Oscar Wilde (1854 – 1900) para referir-me à parte significativa da população mundial que busca na ilusão das telas a juventude eterna e o prazer de supostas aceitações. Incontáveis são as pessoas que entregam suas almas como moeda de troca por seguidores na realidade picotada das mídias digitais em rede.
No romance “O Retrato de Dorian Gray” (1890), o jovem atraente e ingênuo fica maravilhado com a possibilidade de lançar-se no mundo das superficialidades e do egoísmo, sem perder a juventude. Com seu perfil pintado por um artista que o admira, Dorian Gray, que era considerado bonito para os padrões da sua época, faz um pacto com o diabo para não envelhecer, de modo que as marcas do tempo em seu corpo são transferidas para o retrato.
As figuras cômicas e trágicas de Musk e Zuck no espectro bufão trumpista representam bem a obsessão pelo negócio de venda da aparência em detrimento da essência. Mas representam principalmente o domínio de legiões de ativistas digitais, com avidez de espalhar mentiras, quase sempre irreconhecíveis em suas belezas com filtros e retoques, enquanto a humanidade apodrece por trás das telas.
Fonte:
Jornal O POVO