O lugar da infância nas redes sociais
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 23 de maio de 2013 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Os problemas de segurança reduziram significativamente o uso das ruas e das praças pelas crianças. Confinadas em casas, apartamentos e mesmo em condomínios, meninas e meninos já não usufruem mais da proteção dos vizinhos e da educação em comunidade. Nesse contexto de tolhimento de liberdade surgiram as janelas, em formas de telas, do universo virtual. E, como Alice diante do espelho, as crianças perceberam que por meio delas chegariam às infovias de um mundo de logradouros digitais no qual poderiam voltar a ter a posse de lugares de circulação, de brincadeiras e de sociabilidade.
A descoberta das redes sociais e dos jogos on-line calhou bem na necessidade de vivência e de convivência da cultura da infância na sua dimensão própria de experiência humana, marcada por um permanente estado de alumbramento e por uma revelação de mundo em escalas bem diferentes da visão do adulto. A atração pelos espaços da virtualidade é tamanha que muitas crianças, além de não quererem saber dos riscos do novo ambiente, passaram a desistir da realidade concreta. A sintonia fina entre o mundo social real e o mundo social virtual passou, então, a ser um dos grandes desafios da atualidade.
Coloquei o que penso sobre essa problemática em uma conversa, ocorrida ontem (22) com pais e educadoras da Casa de Criança, dentro do programa “Trocando Ideias”, realizado por essa que foi a primeira escola dos meus filhos. Sob o guarda-chuva do tema “Nossos Filhos e as Redes Sociais – Um olhar real para o mundo virtual”, que me foi passado pela organização, falei do real e do virtual, como instâncias diferentes, mas passíveis do desenvolvimento de um mesmo processo educativo da imaginação, da sensibilidade e da inteligência.
As diferenças nas respostas das crianças, geradas pela fruição dos espaços do real e do virtual, podem ser observadas no comportamento comum de meninas e meninos. Enquanto em situações de ordem física a criança quer a repetição da história e da brincadeira, no plano virtual, depois de superadas as fases da narrativa e do jogo, elas geralmente não desejam refazer a experiência, talvez por restarem poucos elementos de recriação dentro do que foi desenhado pelos programadores.
O ponto mais comum na dinâmica de circulação das esferas reais e virtuais é que ambas são espaços sociais, com estruturas conectivas e vasos comunicantes. Mudam os conceitos de vizinho, amigo, acesso, distância e os hábitos de distanciamento e proximidade. Nas redes sociais virtuais é relativamente mais fácil ser notado e receber elogios fartos do que nas redes sociais físicas, que requerem deslocamentos e encontros com outras pessoas, embora pareça evidente que curtir com clique não expresse a mesma sinceridade do abraçar.
Quais os códigos para a nova interação social constituída pelo binômio real e virtual é o que precisamos saber, a fim de dominar o que há de comum desse conjunto de comunidades interconectadas. Essa aprendizagem passa pelo entendimento do enredo dos logradouros digitais, seus outdoors, suas propagandas, seus modelos de negócios e suas possibilidades de fortalecimento das culturas. As redes sociais hoje ainda se resumem a serviços de trocas de conteúdos e de relacionamentos, inclusive os jogos on-line, prestados por empresas inovadoras e competitivas da nova economia.
A internet é uma rede pública, com calçadas e avenidas, mas dominada por estabelecimentos privados em busca de lucro. A oferta de possibilidades prontas interfere na criação de sentido próprio por parte do usuário. O que se vê são pessoas caindo nas armadilhas das rotinas dos acessos virtuais e com dificuldade de conter os impulsos criados pela dependência excessiva das telas. O resultado do fastio a tudo o que não signifique estar conectado é o desinteresse pela realidade concreta, a irritação diante da ansiedade da conectividade, postura comprometida, obesidade, sonolência e baixo rendimento na escola.
Não vejo outra saída, que não a de darmos um salto à abstração do conceito de virtual em nossas vidas. Esse salto precisa considerar que virtual não é apenas um lugar para onde se vai e de onde se volta para o mundo real. O tempo e o espaço no universo da vida digitalizável está potencialmente mais próximo do jeito como as crianças cultivam o mundo do que o nossa. Esse é um fato a ser interpretado, analisado e aproveitado como oportunidade de aproximação de pais e filhos, intensificando vínculos da aprendizagem compartilhada do viver.
Nós, pais, precisamos entrar nesse exercício de descobertas e trocas consentidas com os nossos filhos. O comércio de dados de usuários e a indústria de armas chegaram primeiro, mas não é por isso que devemos esmorecer. A omissão da sociedade com relação ao mundo virtual permite que gangues ocupem os lugares de grupos sociais. Os perfis falsos, o aliciamento de menores, o cyberbullying e os boatos virais carecem da pedagogia da presença para deixarem de imperar na rede mundial de computadores, influenciando negativamente o comportamento dos nossos filhos.
O convívio social nesses tempos hipermodernos necessita mais do que nunca do legítimo e natural papel de educador das famílias, em quaisquer das suas configurações. A construção da confiança e a percepção dos valores culturais são responsabilidades intransferíveis. Os mundos on-line e off-line não se refletem um no outro, cada qual tem a sua linguagem e o seu contexto. No diálogo de interfaces os pais podem funcionar muito bem como chamadores de atenção no jogo de conceitos e preconceitos muitas vezes dominados pelos chamados participantes tóxicos, aqueles que invadem os espaços de paz e de segurança nas redes sociais e nos jogos on-line.
Em um bate-papo que fiz com estudantes da EMEIF Antonio Correia Lima, da Vila Velha, na Barra do Ceará, realizado na semana passada (15/05/2013), na Biblioteca Cuca, uma garota perguntou qual a razão da escolha da descoberta da amizade entre diferentes para ser o tema do meu livro “A casa do meu melhor amigo” (Cortez Editora, 2010), e respondi que a única escolha que fiz foi a da metáfora do menino cupim, como a representação de alguém que mora em uma comunidade diferente, pois a necessidade de compreensão do viver tem na atualidade a dimensão das realidades concreta e virtual.
Em situações normais, o lugar da infância nas redes sociais e nos jogos on-line não deveria sofrer com restrições conceituais. As crianças precisam de vias e infovias para o bem de suas emoções, para crescerem sadias. Entretanto, os cuidados com a segurança devem ser constantes nos dois casos. A depender do nível de maturidade alcançado por cada criança, os pais podem e devem liberar os acessos, sem esquecer que muitos dos logradouros virtuais ainda são constituídos de terrenos baldios e de pontos de venda. Não há, portanto, prescrição ou fórmula para dar certo. A complexidade de circulação nos ambientes virtuais e físicos está impregnada de violência, mas é o mundo que temos para viver e precisamos nos aventurar para transformá-lo. Se há alguém que não tem direito à descrença é um pai, uma mãe…