Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 01 de Setembro de 2011 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Cresce no Brasil a intolerância contra os corruptos. O mal-estar da corrupção na política criou um alvo comum para a indignação social, independentemente de classe, etnia, gênero e faixa etária. Os torpedos contra a delinquência oficial atingem tanto os velhos bandidos que tradicionalmente vêm assaltando os bens coletivos para fazer negócios particulares escusos, quanto os militantes que mais recentemente se transformaram em mercadores do poder, queimando parte significativa dos princípios republicanos e das nossas reservas éticas no âmbito dos costumes políticos.
Os escândalos de corrupção atingiram níveis de magnitude em escalas sismográficas. A formação de gangues para assalto ao orçamento público, a má gestão, os gastos excessivos, os desvios de recursos para benefício próprio, o enriquecimento ilícito e o favorecimentos de comparsas são alguns dos delitos dessas quadrilhas que tramitam nos escaninhos dos tribunais. Sem contar com aqueles que ainda não estão nos autos, mas reverberam nas vozes da imprensa, nas ações da Polícia Federal e nas providências do Ministério Público.
O mais revoltante em tudo isso é a desfaçatez com que certos corruptos aparecem nos meios de comunicação demonstrando sarcástica insatisfação pelos seus interesses contrariados. Nada de questões ideológicas ou programáticas; isso os partidos políticos no Brasil deletaram descaradamente e alguns querem piorar ainda mais, defendendo uma Reforma Política de cartolagem. As alegações faltam pouco para explicitar que se não dá para roubar, não interessa ser aliado de nada. As coalizões e as tensões nas bases aliadas fazem parte do cotidiano administrativo dos governos democráticos, mas esse tipo de chantagem ao vivo já está beirando o insulto público.
Este debate é muito sensível. Um descuido que seja e as raposas atacam por trás. Não é sem motivo que o assunto da corrupção caiu aparentemente nas graças de muitas figurinhas carimbadas por comportamentos pouco recomendáveis. Nesse álbum de horrores, quem vê cara não vê cidadão. Muitos estão até defendendo a CPI da Corrupção. Sabem que afastando o tema da sociedade e levando-o para a arena parlamentar, além de ter mais controle, a possibilidade de tirar vantagem da situação é maior. Mesmo em caso de carnificina, o tipo sanguíneo e o fator de transfusão da maioria tende a ser o mesmo; portanto, não falta quem possa fazer doação em caso de emergência.
O Brasil está sob nova direção e os seus antigos manipuladores não suportam isso, mas também não demonstram competência para apresentar razões que levem a população a acreditar que vale a pena reconduzi-los ao poder. O resultado desse triste vazio é uma oposição purulenta e ineficaz. A situação se agrava com as brigas de gangues, antes travestidas de esquerda, que fizeram do oportunismo uma forma de se dar bem e pronto. É desse saco de gatos malhados que saltam os escândalos de corrupção, desgastando consideravelmente a mínima estabilidade econômica e social conquistada pelo Brasil nos últimos anos.
As mensagens mais comuns, que podem estar confundindo a opinião pública na abordagem dos problemas da corrupção, ora acusam a presidenta Dilma Rousseff de estar montando um Estado dirigista e ora cobram que ela governe acima da lei, atropelando os direitos individuais dos servidores e dos aliados que entram em situação de degola. O que um Chefe de Estado republicano deve fazer nesses casos é mostrar que a corrupção não é um jeito cínico de governar, mas uma deformação da vida social, cultural e política. E a melhor maneira de interferir neste problema é governar com decência de caráter e com lisura, como ela tem feito.
A derrocada dos corruptos é um processo de múltiplos atores. Entregar a tarefa apenas à responsabilidade da presidenta é apostar no afastamento das pessoas da zona de interesse político, para que fiquem mais e mais descrentes na capacidade do poder público de gerir os recursos arrecadados dos impostos e de limpar a área contaminada pelo avanço da corrupção, no velho estilo da surdina e dos conchavos. A pressão para que o Palácio do Planalto faça da demissão de envolvidos em irregularidades uma meta administrativa é notavelmente tosca.
Combater o malfeito e tomar providências contra a bandalheira é diferente de estabelecer uma pauta de faxina. A presidenta está certa por não ter mordido a isca de faturar aceitação nas mídias e nas massas, em cima da ideia de limpeza. Esse estigma de Elektra assassina – a letal ninja de Frank Miller e Bill Sienckiewicz – serve para histórias em quadrinhos, mas estamos tratando das questões críticas de um País ainda desafiado por enorme desigualdade social, econômica e cultural. Sem contar com a pedreira que é proteger e dinamizar o Brasil no cenário turbulento da grande recessão mundial em curso.
Dilma não tem poupado os aloprados em nenhum escalão do seu governo, nem de qualquer força aliada, inclusive do seu próprio partido. Entretanto, ela sabe que os corruptos mais perigosos, os mais ardilosos, são aqueles cujas falcatruas ainda não foram descobertas ou estão sob a guarda de laranjas e de instituições fantasmas. Não é novidade dizer que este é um problema secular e que a solução para a corrupção no Brasil não depende de heróis e heroínas. Isso é conversa de quem quer destruir promovendo. A presidenta não pode sair demitindo meio mundo, senão poderá haver dificuldade de encontrar alguém para apagar a luz dos gabinetes.
O ajuste de conduta possível de ser feito no plano do Executivo me parece ser o que Dilma Rousseff está fazendo. Temos um tempo de purgatório pela frente, embora a ala dos sórdidos esteja superlotada. Escândalos não faltarão. Com o aperto orçamentário, que reduz a liberação de emendas e a nomeação de cargos, as disputas sangrentas na base de sustentação do governo tenderão a se acentuar. E os coveiros da governabilidade intensificarão as alegações de que a presidenta não quer abraçar a bandeira anticorrupção porque está sem rumo e não é uma liderança à altura do desafio. Este tipo de coerção infamante requer como contraponto o apoio da população, para que Dilma não se sinta sozinha quando tiver que afastar os maus políticos do governo.
A mudança no perfil do poder central brasileiro, que passou a ter um núcleo duro feminino, é tão importante quanto às demissões de ministros acusados de corrupção. Comparo a postura propositiva de Dilma, que, apesar de tudo, segurou o foco da gestão na construção da equidade, com a do rei Harald V, no caso da tragédia ocorrida mês passado na Noruega, quando um jovem foi ao extremo da carga de tensão que ronda a juventude europeia e matou quase uma centena de pessoas. A resposta do monarca nórdico inclinou-se mais para a ampliação da tolerância, da democracia e da generosidade do que para o aumento do número de presídios, da segurança armada e do cerceamento das liberdades individuais.
Se na monarquia, forma de governo da Noruega, o permanente é o rei, que tem a destacada obrigação de pensar grande e no longo prazo; na república, caso do Brasil, essa responsabilidade é, antes de tudo, da sociedade. A tarefa de derrubar e de não eleger mais corruptos deve fazer parte da nossa organicidade civil. Para ter estabilidade, a vida social do País necessita essencialmente de uma moral cultural e de uma moral política, tracionadas entre si; uma movida pela sociedade e a outra movida pelo Estado. A luta contra a corrupção passa pela sincronia do movimento gerado por essas forças.