O Movimento Pró-Árvore
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2011 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Recebi o convite do fotógrafo Maurício Albano para participar de uma movimentação de cidadania que está em fase de construção em Fortaleza, com o nome de Movimento Pró-Árvore. Foi, como se diz, uma mão na roda. Há um bom tempo que venho inconformado com a situação degradante da cobertura vegetal na cidade. Não pude participar do primeiro encontro de aproximação de interessados, realizado no Instituto Gaia, em 21/09, mas fui com os meus filhos, domingo passado, 11/12, à reunião ocorrida no Passeio Público.
Mobilizações da sociedade civil para ações como essa, que costumo chamar de “cidadania orgânica”, são sempre bem-vindas e cada vez mais necessárias, diante da atual crise da democracia representativa. Estavam lá pessoas da arquitetura, da história, sociologia, educação, direito, artes plásticas, poesia, psicologia, agronomia e botânica, dentre outras dispostas a dar foco no verde. Ao tomar a decisão de colocar a árvore como uma prioridade, o movimento assume que uma arborização adequada é fundamental para a paisagem urbana, sua qualidade ambiental, qualidade de vida, para a saúde pública e equilíbrio social.
A valorização e a proteção das árvores é uma maneira de sentirmos a cidade como a nossa casa, a casa da beleza, da sensação de ar livre, dos lugares acolhedores, com áreas sombreadas e lugar ao sol para todos. É cuidar para que nós, fortalezenses, naturais, adotados ou visitantes, usufruamos mais da cidade vibrante, de agradável convívio e espaços dignamente públicos, com bem-estar de segurança e áreas verdes dotadas de equipamentos desportivos, recreativos, culturais e de lazer.
A criação do Movimento Pró-Árvore sinaliza a existência de uma mudança na perspectiva de direitos civis e políticos de muitas pessoas que estão indignadas e avergonhadas de morarem e viverem em um centro urbano marcado pelo descaso e por toda ordem de descarada especulação. Fortaleza necessita de compensações ambientais amplas e, para isso, é importante que a sociedade faça o que está ao seu alcance e, se possível, procure se articular com a parte da iniciativa privada e dos setores públicos que está comprometida efetivamente com a sustentabilidade.
Promover a plantação de mudas, incentivar a melhoria dos jardins de casas, condomínios e locais de trabalho, influenciar a troca de muros por grades, para que os prédios abram mais seu verde para as ruas, aumentar o uso social das praças e parques, estimular as empresas que mantém áreas verdes e colaborar com as instituições realizadoras de programas de ecocidadania são exemplos de iniciativas que podem ser desenvolvidas pelas pessoas com consciência socioambiental, independentemente de coobrigações oficiais.
O ideal mesmo é que os mandatários públicos entendam esse tipo de ação da sociedade civil, não como ameaça, mas como algo agregador e legítimo. Assim, o Movimento Pró-Árvore poderá sonhar com sistemas de logradouros públicos com nomes de árvores, com a classificação de nomes e características das árvores em situação de rua, e com ruas e avenidas marginadas de paus d’arco, acácias pingo de ouro e outras espécies botânicas embelezadoras da cidade, a exemplo das carnaúbas copernicanas, que ornamentam a avenida Monsenhor Tabosa.
Há muito que fazer para a melhoria do meio ambiente urbano de Fortaleza e a ampliação de suas áreas verdes. O que dá sentido à cidade enquanto centro urbano é a capacidade de sua gente de se mobilizar para viver bem. Pode ser fazendo a festa de Saci nas praças, organizando expedições de reconhecimento das espécies vegetais do litoral, serra e sertão, ou criando viveiros de plantas da flora cearense. E, depois, compartilhar, divulgar e publicar, como fez o agrônomo Antônio Sérgio Castro, um dos articuladores do Movimento Pró-Árvore, que está lançando um livro com 45 fotos de Flores da Caatinga, pesquisadas e resenhadas por ele.
A compreensão de que a cidade precisa da natureza para ser um bom lugar deveria estar entranhada em nosso cotidiano, mas não está. Tenho procurado sugerir esse diálogo entre o urbano e o rural em livros infantis como “Titico achou um anzol”, “Benedito Bacurau – o pássaro que não nasceu de um ovo” e “A casa do meu melhor amigo”, e fico maravilhado com a reação das crianças ao terem a oportunidade de um relacionamento literário com personagens que são preás, carcarás, jaçanãs, corujinhas-de-estrada, casacas-de-couro e tantos outros bichinhos comuns, embora desconhecidos, em nossa região.
A civilidade requer sentimentos de reaproximação entre cultura e natureza. Onde existem árvores, existem pássaros, ninhos, cantos, seres fantásticos e folhas dançando ao vento. Por isso, o verde das copas e as cores das flores servem para aquietar a mente e para dar leveza às edificações, porque a beleza natural é reconfortante. Uma árvore é uma escultura; algumas delas são monumentos. Quem tiver dúvida disto basta olhar para uma mangueira centenária, para a abstração de suas formas e para a sua grandiosidade tranquila.
As praças e os parques, e não os “shoppings centers”, são os verdadeiros oásis do mundo urbano. Nas áreas verdes, o calor diminui e o frescor aumenta, sem a necessidade de refrigeração artificial e abafada. As árvores contribuem significativamente para a melhoria do conforto térmico, elevando a umidade relativa do ar e melhorando o sistema de amenização da temperatura da cidade. Além de interferirem na velocidade dos ventos, de interceptarem e absorvem parte da radiação solar e da poluição atmosférica, reduzindo ainda a poluição sonora e visual e oferecendo melhores condições de permeabilidade do solo para que as águas das chuvas reabasteçam o lençol freático.
Em uma cidade quente como a nossa, a vida deveria ser vivida mais intensamente fora dos ambientes fechados. Mas a falta de uma cobertura vegetal mínima contribui para que a cidade adoeça ao relento. A Organização Mundial de Saúde, OMS, dá como mínima uma área verde de doze metros quadrados por habitante e certamente estamos muito longe disso. O adensamento populacional desordenado, o histórico de permissiva ocupação privada de áreas públicas, a impunidade contumaz e a permanente irracionalidade da degradação ambiental debilita a vitalidade de Fortaleza.
A falta de um sentido de cidade permite passivamente os maus-tratos evidentes nas podas inadequadas, que esfrangalham sem dó as copas das árvores. Não precisaria ser tudo de uma vez, mas por zona, daria para fazer valer um projeto de arborização com árvores de copas largas em ruas e avenidas, obrigando as empresas que ainda usam o ultrapassado sistema de posteamento como suporte de fios e cabos de transmissão de energia e sinal de televisão, a trabalhar com tubulações subterrâneas.
A minha expectativa é que o Movimento Pró-Árvore, mais do que reunir pessoas para a ação em favor do verde, possa catalisar iniciativas existentes, de modo a influir na mudança do hábito com o qual nos relacionamos com a cidade. Está mais do que na hora de colocarmos em nossa rotina a troca afetiva com as árvores; afinal elas são seres vivos, que bebem da mesma água que bebemos. A figura da árvore agrega-se facilmente ao sistema de símbolos que dá sustentação às trocas subjetivas, facilitando a distinção entre pólis e aglomerado urbano. Viver bem em Fortaleza passa pelo aumento de sombras na cidade, por espaços verdes de integração comunitária e por impactos estéticos naturais que fortaleçam a consciência ecológica.