O nosso cotidiano foi invadido pelo Covid-19 e, diante da perplexidade causada pelo avanço transcontinental desse perigo invisível, nos trancafiamos em nossas casas. Na quarentena evito me expor à viralização da pandemia digital, tão grave e descontrolada quanto a doença infecciosa em propagação. Estou explorando mais as interrogações que me chegam à cabeça com relação ao que nós humanos temos feito de mal ao meio ambiente e a nós mesmos.
Que chance teremos de resolver esses problemas se as pessoas, grupos e corporações que concentram as riquezas da Terra não querem abrir mão de nada? Quanto tempo a natureza ainda aguentará sustentando os excessos dos que esbanjam e desperdiçam o que ela nos oferece para viver? Quando cairão as máscaras dos discursos em nome do futuro e sobre o longo prazo, como estratégia de adiamento ao que deve ser feito no presente? O que será do mundo depois do fenômeno do coronavírus?
Seguia nesse caminho de indagações quando passei a ler o dossiê Sopa de Wuhan (ASPO, 2020), uma compilação de escritos fresquinhos sobre o tema, produzido pelo editor e designer argentino Pablo Amadeo, com ensaios de pensadores de vários países, entre os quais alguns que gosto muito, como o escritor marroquino Alain Badiou, o sociólogo esloveno Slavoj Žižek e o filósofo alemão Markus Gabriel. Eles me deixaram mais cheio ainda de interrogações. Compartilho aqui algumas delas com quem quiser refletir em seu isolamento social:
O medo de contagiar os outros ou de ser contagiado é uma restrição de liberdade?
Até onde a pandemia do coronavírus serve de pretexto para governantes assumirem o controle da mobilidade social em nome da prevenção e da segurança das pessoas?
O fenômeno do Covid-19 será capaz de estimular a sociedade global ou parte dela a pensar em estilos de vida e organização com mais justiça social e democracia plena?
A ameaça de débâcle econômica provocada pelo coronavírus serviria como alerta ao neoliberalismo de que não dá para continuar assim?
Que memória restará da precariedade dos sistemas de saúde em países que para vender são globalizados e para cuidar são restritos?
Que lições podem ser tiradas de um vírus identificado como indistinto a pobres e ricos, eleitores e políticos, colocando todos em igualdade de risco?
O fato de o vírus não discriminar pessoas pela condição social, política e econômica assegura mesmo a não existência de discriminação?
Ao final das contas, o isolamento social, que levou famílias a ficarem em casa, tem mais efeitos negativos ou positivos do que a convivência em áreas públicas?
O fechamento de fronteiras em estados, regiões e países para proteção populacional é uma decisão correta ou incorreta dos governantes?
A rapidez com que o coronavírus se espalhou pelo planeta é uma demonstração clara de fragilidade na comunidade humana?
Onde está a real contradição entre economia e política nas decisões sobre o que fazer nessas circunstâncias?
Por que nem mesmo a comoção da pandemia do Covid-19 tem sido capaz de estancar a infecção emocional causada pelo vírus das notícias falsas?
Poderá haver uma ampliação do desarranjo geopolítico global como consequência desse fenômeno sanitário?
Em um tempo em que o ultraconservadorismo avança em várias nações, uma pandemia como essa influi para reforçar tais posições ou para negá-las?
Com que grau de compreensão as pessoas orientadas a ter refúgio em casa, mas que não têm casa, aceitarão que é perigoso andar nas ruas?
Por que pessoas que nunca têm mesmo espaços em hospitais deveriam obedecer a orientação de quarentena?
Na realidade do ataque do Covid-19, onde a gravidade maior é a dificuldade de respirar, o controle do leviatã recai sobre o corpo ou este cede lugar ao temor da asfixia?
O coronavírus sinaliza uma mudança do fim da hipermodernidade para o começo de uma era na qual a economia imaterial poderá aliviar a natureza da destruição compulsiva? O que acontecerá com as culturas do mundo após essa experiência de choque de realidade por que todos estamos passando? Sairemos dessa situação mais humanos ou mais desumanos? Por enquanto, em que pese a agitação da psicosfera, o que particularmente sinto é a vontade de espalhar a necessidade da pergunta!!!
Fonte: Rivista n. 217