O papel da impressora 3D
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 13 de Dezembro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF 

Das inovações tecnológicas digitais, a impressora tridimensional é uma das que têm grandes possibilidades de causar impacto no processo produtivo, com repercussões diretas na vida cotidiana. Mesmo desenvolvida há cerca de duas décadas, somente agora, com o prolongamento da crise econômica internacional, ela começa a se tornar mais acessível. Para os países que transferiram parte significativa de suas bases de produção para regiões de condições de trabalho precárias, a copiadora 3D traz a expectativa da volta da fabricação local e da recuperação dos empregos exportados com a globalização.

As gráficas rápidas de impressão sólida, capazes de oferecer produtos acabados personalizados, parecem ser economicamente atraentes e socialmente em linha com as tendências das cidades de tecnologia e serviço, onde crescem as oportunidades de trabalho nos blocos de escritórios e reduzem os empregos de chão de fábrica. No novo sistema econômico que nascerá da economia pós-crescimento, a cópia em três dimensões terá efeito transformador no lançamento de novos produtos e serviços, nos modos de geração de renda e nos hábitos dos consumidores. Sem contar com a criação de serviços indiretos, tais como o de operadores de animação em 3D.

Vi de perto pela primeira vez uma impressora 3D na semana passada, em Brasília, no 7º Encontro Nacional da Indústria (Enai 2012), realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nos últimos dias 5 e 6, no Centro de Eventos Ulysses Guimarães. No foyer do auditório principal, a empresa Vas Tecnologia Industrial, de São Caetano do Sul, São Paulo, expôs uma dessas copiadoras. Parecia uma máquina de venda de refrigerantes em lata, do tipo vertical, normalmente encontrada nas lojas de conveniência. Mas o vendedor teve o cuidado de informar que existem impressoras 3D de diversos tamanhos e em preços que variam de R$ 30 mil a mais de R$ 1 milhão.

A impressão é feita a partir de dois cartuchos: um, contendo o resistente filete amarelo de plástico ABS para modelagem e, o outro, com o material cinza de suporte de preenchimento das partes ocas que, depois de concluída a operação, se dissolve em água. O fio entra em aquecimento e a copiadora obedece às instruções do programa do computador, “esculpindo” em finas camadas a figura convertida por um software de projeção tridimensional. Nada de injeção de material derretido, com saliências para lixar depois. Por mais detalhes que tenha, o objeto copiado em 3D sai pronto, não há o que dobrar ou colar; pode ser um jogo de engrenagens, uma corrente de elos irregulares ou uma fivela de bolsa.

O jornalista britânico Paul Markiliie, autor da badalada reportagem “A terceira revolução industrial” (The Economist, Londres, 21/04/2012), ao fazer a palestra magna do Enai (5/12) sobre “A indústria no mundo: transformações, tendências e implicações para o Brasil”, destacou a importância das manufaturas digitais para o futuro da indústria, colocando a impressora 3D no rol de fatores relevantes para essas transformações, ao lado dos softwares inteligentes, dos novos materiais e processos, da nova geração de robôs e da fabricação online. O argumento para essa atenção à impressora 3D é que “a roda está quase fechando o círculo, afastando-se da produção em massa e se direcionando para uma produção muito mais individualizada”.

Markiliie não nega que esse entusiasmo pela impressora 3D nos Estados Unidos e na União Europeia tem um viés político, pois essas velhas potências capitalistas estão precisando encontrar um jeito de voltar a produzir localmente, a gerar trabalho em seus territórios e a dinamizar o mercado interno. Perguntado pelo moderador, jornalista William Waack, como ele vê a situação da China e do Brasil nesse quadro, o editor de inovação da The Economist foi lacônico e certeiro: “A China é um grande mundo corporativo estatal e o Brasil um país com muitas empresas, sem o peso da estrutura monolítica chinesa”. E conclui: “Seja onde for, o certo é que, para pequenas escalas, não se precisam mais de fábricas”.

O que pode acontecer com a indústria com a popularização da impressora 3D é esta forçar aquela a ser mais inovadora, como aconteceu com a gráfica de offset com o advento das gráficas rápidas. Do ponto de vista empresarial, segundo Paul Markiliie, o que está em pauta é a redução de custos e de riscos, resultante das dispensas para montagens, da facilidade de alteração rápida de protótipos, da utilização apenas de materiais necessários e da redução de desperdício, dentre outras vantagens competitivas, quando se tratar de produção de moldes e artefatos em pequenas escalas.

A impressora 3D é boa para reparos pontuais e para a fabricação de peças para motores, eletrodomésticos, bicicletas, acessórios de carro, material de pesca, caixas de aparelhos auditivos, abajures, materialização de desenhos dos filhos, avatares, maquetes, esculturas, estampas em relevo, portrait e caricaturas, controles de videogames, dutos de ar, puxadores de armários, réplicas de estatuetas, troféus, enfeites de festas de aniversário, apitos, bibelôs, imagens de santos, luminárias, peças de xadrez, brinquedos, ornamentos, abotoaduras, aparelhos de ortodontia e ortopedia, enfim, para uma infinidade de coisas, que podem dispensar grandes investimentos e produção massiva.

De vez em quando me pego imaginando uma serventia para a impressora 3D. Cheguei a pensar até numa máquina dessas na ourivesaria da Juazeiro do Padre Cícero. E como será quando a torneira da pia da nossa casa quebrar? Procuraremos a loja de ferragens, imprimiremos outra em casa ou numa gráfica rápida 3D? Talvez as próprias lojas de ferragens, ao invés de estoques, venham a ter apenas todo o catálogo de materiais elétricos e hidráulicos em um programa digital, podendo oferecer a impressão sólida sob demanda. Isso vale também para peças de reposição de bens antigos, que estão fora de fabricação. Este tipo de redução de obsolescência pode gerar um ganho social e ambiental precioso.

A manufatura aditiva, como vem sendo chamado esse processo de fabricação por camadas, terá, na opinião de Paul Markiliie, grande importância para a reconfiguração industrial que surge da tecnologia criativa em ambiente virtual, sobretudo para um mercado totalmente novo, composto por amadores, pessoas que gostam de fazer as coisas sozinhas, artesãos, designers, inventores, pesquisadores e empresários, que ele conceitua de “fabricação social”. Essas comunidades físicas e virtuais, que oferecem impressão 3D e serviços de produção em ecossistemas de fábricas e fornecedores, são propícias à atração do interesse dos jovens pela inovação incremental, atualmente muito comum no setor de acessórios para telefones móveis.

Com a manufatura tornando-se cada vez mais digital, fabricar em casa ou perto de casa, mesmo em situações de desenvolvimentos de produtos em sistemas cooperativos online, traz ainda ganhos logísticos, ambientais e de mobilidade social. O fazer as coisas em modo de produção mais doméstico e mais comunitário, a exemplo do que acontecia antes da revolução industrial, na segunda metade do século XVIII, pode ser uma das contribuições da impressora 3D, como uma das opções para quem quer empreender, ter renda livre e encontrar novas e mais equilibradas maneiras de viver.